quarta-feira, 28 de julho de 2010

DECIFRAR O ENIGMA DILMA - CARLOS ALBERTO DI FRANCO

Decifrar o enigma Dilma

As virtudes e as fraquezas dos jornais não são recatadas. Registram-nas fielmente os sensíveis radares dos leitores. Precisamos, por isso, derrubar inúmeros mitos que conspiram contra a credibilidade dos jornais. Um deles, talvez o mais resistente, é o dogma da imparcialidade absoluta. Transmite a falsa certeza da neutralidade jornalística. Só que essa separação radical entre fatos e interpretações simplesmente não existe. É um engano, um jogo de marketing. É necessário cobrir os fatos com uma perspectiva mais profunda. Convém fugir das armadilhas do politicamente correto, da desinformação dos estrategistas eleitorais e do contrabando opinativo semeado pelos arautos das ideologias.
Boa parte do noticiário de política, mesmo em ano eleitoral, não tem informação. Está dominado pelo declaratório e ofuscado pelos lances do marketing da campanha. Dilma Rousseff, por exemplo, continua sendo apenas uma embalagem, um enigma a ser decifrado. Maquiada, penteada e produzida pelo comando de sua campanha, ainda não mostrou a verdadeira face. Suas convicções, aparentemente, mudam como chuva de verão. Lança um programa de governo. Tem reação? "Não assinei, não li, só rubriquei." A leviandade constrange e desqualifica a candidata. Instaurou-se, sob a égide de certas esquerdas, a política do descompromisso radical com os fatos. A saída é sempre a mesma: ninguém sabe, ninguém viu.
No documento de 19 páginas protocolado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e depois estrategicamente escanteado pela tática do "não li, só rubriquei", a candidata ressuscitou as mesmas teses que apareceram marcadas com a força das suas impressões digitais na primeira edição do 3.º Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Você lembrará, caro leitor, que o presidente Lula seguiu o mesmo roteiro da sua criatura. Pressionado pela reação da sociedade, disse que tinha assinado "sem ler" e mandou que o pacote fosse refeito. O procedimento é sempre o mesmo. E é essa reiteração da leviandade malandra que preocupa. Será que as teses do PNDH-3 conhecidas e já rechaçadas pela sociedade não são a verdadeira cara da candidata?
Quem é Dilma Rousseff? Qual é sua biografia real? O que a candidata oficial, sem blindagens e proteções, efetivamente pensa a respeito dos temas que dominam a agenda pública: liberdade de imprensa, controle da mídia eletrônica, aborto, propriedade privada, invasões de terras pelo MST?
Os defeitos, as virtudes e o pensamento de José Serra são patentes. O idealismo coerente de Marina Silva, embora sem a força de uma poderosa máquina eleitoral, também é bastante evidente.
Dilma Rousseff, no entanto, continua empacotada. Dilma não é Lula, um carismático de livro e mestre da conciliação. Conseguirá impedir que os radicais do PT imponham sua política do atraso? Recentemente, João Pedro Stédile, o mais influente dirigente do MST, previu que o Brasil viverá uma explosão de ocupações de terra se Dilma vencer as eleições. "Com Dilma, nossa base social perceberá que vale a pena se mobilizar", disse Stédile, armado de uma sinceridade cortante.
Na verdade, Dilma é o terceiro mandato de Lula. Mas sem o carisma, sem a habilidade, sem o domínio das bases e sem a ginga do criador. E isso precisa ser dito com todas as letras. Segundo Hélio Bicudo, fundador do PT, deputado federal pelo partido, vice-prefeito de São Paulo na gestão Marta Suplicy, "Lula quer Dilma Rousseff no poder para continuar mandando no País". Dilma não tem luz própria. É, apenas, um elo no projeto autoritário de poder do presidente da República.
"Não estou no PT desde 2005", diz Bicudo. "Retirei a filiação porque entendi que o PT não cumpria mais seus ideário." Referindo-se ao papel de Lula no mensalão, não tergiversa: como ele "diz que não sabia? Lula manda no PT". Com forte dose de ceticismo, vislumbra um horizonte sombrio para a democracia brasileira: "É uma vergonha. A Constituição diz que se deve olhar a vida pregressa do candidato. Mas a lei resumiu isso a um processo criminal. Vamos continuar tendo bandidos na política. Veja os envolvidos no mensalão. Foram denunciados pelo procurador-geral da República. Mas, pela lei, poderiam candidatar-se." E conclui: "Quando um presidente da República nomeia nove ministros do STF, não há como garantir independência."
Bicudo, com razão, manifesta crescente preocupação com o uso político das estruturas do Estado. O recente silêncio da Receita Federal sobre o vazamento do Imposto de Renda do tucano Eduardo Jorge Caldas Pereira é um exemplo preocupante. O secretário da Receita Federal, Otacílio Cartaxo, revelou saber exatamente quem cometeu o crime. Mas disse precisar de mais 120 dias para concluir as investigações. Adia-se, aparentemente, a punição dos culpados para não prejudicar o desempenho da candidatura oficial.
Ao contrário de Hélio Bicudo, não sou tão pessimista, sobretudo quando penso no Supremo Tribunal Federal. Presumo, sinceramente, que o nomeado, ao sentir o peso e a dignidade da toga, é capaz de deixar de lado interesses menores e olhar para o bem do Brasil. A História registra um belo capítulo de independência. Thomas Becket, jurista, chanceler da Inglaterra e amigo do rei, disse ao seu protetor: "Se está pensando que terá um obediente pupilo, está enganado e seu amor se transformará em ódio." E assim foi. Henrique II tentou manipular o amigo, mas Becket foi fiel à sua consciência e ao seu cargo. Foi executado a mando do rei. O monarca perdeu um leal servidor, mas a Inglaterra ganhou um herói e a Igreja Católica proclamou um novo santo.
A programação eleitoral gratuita é, quando muito, uma aproximação da verdadeira face dos candidatos. Tem muito espetáculo e pouca informação. Só o jornalismo independente pode mostrar o verdadeiro rosto dos candidatos. Sem maquiagem e sem efeitos especiais. Temos o dever de fazê-lo.

O Estado de São Paulo - 26/07/2010

DOUTOR EM COMUNICAÇÃO, É PROFESSOR DE ÉTICA E DIRETOR DO MASTER EM JORNALISMO E-MAIL: DIFRANCO@IICS.ORG.BR



3 comentários:

  1. Serra faz campanha com “figurino de direita” e discurso do medo
    “O comando da campanha de José Serra (PSDB) colocou o medo no centro da disputa presidencial”, com o intuito de “criar fantasmas na cabeça do eleitor para tirar votos da candidata petista à Presidência, Dilma Rousseff”. Assim começa a matéria de capa da revista IstoÉ desta semana, em denúncia sobre os “velhos fantasmas” a que a campanha tucana recorre para ganhar a eleição.

    Por André Cintra
    O texto, assinado por Alan Rodrigues e Sérgio Pardellas, dá dicas preciosas de como o PSDB quer vencer a eleição na baixaria. Consciente de que não é mais o candidato favorito à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Serra subverteu sua campanha com uma guinada à direita. A fase “Serrinha paz e amor” — que incluía até elogios descaradamente oportunistas ao “presidente que está acima do bem e do mal” — ficou para trás.

    A escalada reacionária da campanha da oposição vai se consolidando, dia após dia, nas ações e nos discursos do próprio presidenciável tucano. Na verdade, “a tentativa do PSDB de criar uma atmosfera de satanização do PT e de sua candidata ao Planalto, Dilma Rousseff, é inteiramente planejada, ao contrário do que poderia parecer”, afirma a IstoÉ.

    Agressão e calúnia

    Os disparates contra a candidata Dilma Rousseff, o PT e o governo Lula já existiam desde a pré-campanha, bem como a hostilidade ao Mercosul, o repúdio à entrada na Venezuela no bloco, críticas gerais a Cuba e a acusação leviana de que o presidente boliviano, Evo Morales, é cúmplice do narcotráfico. Agora, no entanto, Serra deu vazão a uma postura ainda mais agressiva e, por vezes, caluniosa. Os alvos: os movimentos sociais — sobretudo o MST — e os governos progressistas da América Latina.

    “Tudo começou com a surpreendente entrevista do vice de Serra, Indio da Costa (DEM), dizendo a um site do partido que o PT é ligado às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e ao narcotráfico”, lembra IstoÉ. “Num primeiro momento, lideranças partidárias passaram a ideia de que Indio era apenas uma voz isolada – além de descontrolada e inconsequente. Aos poucos, porém, foi ficando claro que ele cumpria um script previamente combinado. Muito bem orientado pelos caciques do PSDB e DEM, o vice de Serra servia de ponta de lança para uma estratégia de campanha: o uso da velha e surrada tática do medo.”

    Indio da Costa, dias depois, associou o PT ao Comando Vermelho. Serra, ele próprio, entrou na parada e retomou o suposto elo PT-Farc. “Há evidências mais do que suficientes do que são as Farc. São sequestradores, cortam as cabeças de gente, são terroristas. E foram abrigados aqui no Brasil. A Dilma até nomeou a mulher de um deles”, disse o inconsequente candidato à Presidência.

    Preconceito com a América Latina

    A revista ainda previu que o presidente Hugo Chávez, da Venezuela, seria o próximo alvo da artilharia serrista. Não deu outra. Nesta segunda-feira (26), num almoço em São Paulo com empresários do Grupo de Líderes Empresariais (Lide), Serra deixou claro que, num eventual governo seu, o Itamaraty vai atropelar os vizinhos sul-americanos e inviabilizar a integração da América Latina. Será uma inflexão nos esforços brasileiros para fortalecer a ascensão de governos progressistas e soberanos na região.

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  2. Chamando Chávez de “partidário do espetáculo”, Serra recorreu à grosseria para dizer que o líder da Revolução Bolivariana “vai criando fatos que ameaçam a estabilidade da América do Sul, da Latina e do Brasil”. Era uma referência ao conflito Colômbia-Venezuela, desencadeado, na realidade, por uma declaração arrogante do presidente colombiano em fim de mandato, o ultradireitista Álvaro Uribe.

    Numa demarcação ideológica cínica e inconfundível, Serra responsabiliza apenas Chávez pelo impasse, mas não dá uma única palavra sobre a figura desestabilizadora que é Uribe — o chefe de Estado sul-americano que mais se aliou aos Estados Unidos nesta década. O tucano demonstra que nada teria a se opor à submissão de um país como a Colômbia (e talvez o próprio Brasil) à Casa Branca, ao controle norte-americano sobre bases militares instaladas no continente e à reativação da 4ª Frota.

    A histórica atuação da política externa do Brasil na questão nuclear iraniana também é relativizada por Serra — que prefere pensar unilateralmente em como esvaziar a liderança de Chávez. “É inegável que, se (o governo Lula) tivesse gasto o tempo que gastou no Oriente Médio na América do Sul, poderia ter evitado situações como essas (o conflito Colômbia-Venezuela).”

    A resposta a tamanho despautério foi dada pelo presidente do PT, José Eduardo Dutra, ao jornal O Estado de S.Paulo. Segundo o petista, “Serra está caindo no ridículo. Esse figurino de direita troglodita não assenta bem nele”. Para Dutra, o tucano ficou refém dos “falcões do DEM”. De candidato DA direita, José Serra passou a se assumir também um candidato DE direita.

    MST

    Já ao discorrer sobre os movimentos sociais, Serra revela que não terá pudor em criminalizar e perseguir as entidades. Diálogo com lideranças sociais? Em hipótese alguma! Aos empresários do Lide, Serra reafirmou sua tese conspiratória segundo a qual o Brasil está “numa era de exacerbação de um patrimonialismo sindicalista” — seja lá o que isso queira dizer na prática. Respeito ao sindicalismo certamente não é.

    O preconceito se eleva contra o MST. Serra declara que, com Dilma na Presidência, os sem-terra “vão poder fazer mais invasões, mais agitação. É isso. Postura de governo em relação ao MST é que se trata de um movimento político e tem de viver pelas próprias pernas e não pode subverter a ordem democrática”. É a versão moderna de um dos lemas mais conhecidos da República Velha — “a questão social é caso de polícia”.

    Jaime Amorim, coordenador regional do MST, resumiu bem o rumo que Serra tomou em sua campanha: “Ele tem postura conservadora, de extrema direita”. Já o MST, em nota emitida ainda na segunda-feira, disparou que a coalizão pró-Serra “pretende implantar em nível nacional suas políticas repressoras, tal como fez no estado de São Paulo em relação aos professores, sem-teto, sem-terra”.

    A candidatura demo-tucana simboliza “retrocessos sociais”, agrega o movimento. “José Serra tenta criar um clima de terrorismo eleitoral, se vale de ameças e tenta criar um clima de raiva contra o MST porque não possui um projeto que de fato possa garantir a vida digna dos trabalhadores rurais e urbanos.”

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  3. Ora, todo mundo que sai do PT e faz oposição ao partido critica-o. Faz parte da frustração dos icompetentes. Quanto as sandices de que "Lula sabia" porque bicudo não o denunciou? Esse é um dos que jamais era para ter entrado no PT. Essa gente da "massa cheirosa" não gosta do cheiro do proletariado. O que Bicudo me diz do ex-procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza? Lula poderia ter escolhido seu procurador a exemplo do FHC mas, deixou que o colégio dos procuradores indicasse. Aliás se fosse no tempo do FHC todo o processo do suposto "mensalão" teria sido engavetado pelo engavetador geral da República. Bicudo veste um pijama e vai ver televisão.

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