sexta-feira, 15 de julho de 2011

MEU FILHO, VOCÊ NÃO MERECE NADA - ELIANE BRUM


Serve para reflexão de todos que são pais de filhos novos ou mesmo jovens.

A crença de que a felicidade é um direito tem tornado despreparada a geração mais preparada.


ELIANE BRUM
Jornalista, escritora e documentarista. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo).

E-mail: elianebrum@uol.com.br
Twitter: @brumelianebrum





Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada – e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor.

Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.

Tenho me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e boa parte se emburra e desiste.

Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito animadora: viver é para os insistentes.

Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam “felizes”. Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade.

É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites tanto de sua condição humana como de suas capacidades individuais?

Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que “fulano é esforçado” é quase uma ofensa. Ter de dar duro para conquistar algo parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. Bacana é o cara que não estudou, passou a noite na balada e foi aprovado no vestibular de Medicina. Este atesta a excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país.

Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do “eu mereço”.

Basta andar por esse mundo para testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os pais tinham lhes prometido. Expressão que logo muda para o emburramento. E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações – e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer.

A questão, como poderia formular o filósofo Garrincha, é: “Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil”? É no passar dos dias que a conta não fecha e o projeto construído sobre fumaça desaparece deixando nenhum chão. Ninguém descobre que viver é complicado quando cresce ou deveria crescer – este momento é apenas quando a condição humana, frágil e falha, começa a se explicitar no confronto com os muros da realidade. Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer se não temos espaço nem mesmo para falar da tristeza e da confusão.

Me parece que é isso que tem acontecido em muitas famílias por aí: se a felicidade é um imperativo, o item principal do pacote completo que os pais supostamente teriam de garantir aos filhos para serem considerados bem sucedidos, como falar de dor, de medo e da sensação de se sentir desencaixado? Não há espaço para nada que seja da vida, que pertença aos espasmos de crescer duvidando de seu lugar no mundo, porque isso seria um reconhecimento da falência do projeto familiar construído sobre a ilusão da felicidade e da completude.

Quando o que não pode ser dito vira sintoma – já que ninguém está disposto a escutar, porque escutar significaria rever escolhas e reconhecer equívocos – o mais fácil é calar. E não por acaso se cala com medicamentos e cada vez mais cedo o desconforto de crianças que não se comportam segundo o manual. Assim, a família pode tocar o cotidiano sem que ninguém precise olhar de verdade para ninguém dentro de casa.

Se os filhos têm o direito de ser felizes simplesmente porque existem – e aos pais caberia garantir esse direito – que tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir.

Aos filhos cabe fingir felicidade – e, como não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais, já que estas são as mais fáceis de alcançar – e aos pais cabe fingir ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma mentira porque a sentem na própria pele dia após dia. É pelos objetos de consumo que a novela familiar tem se desenrolado, onde os pais fazem de conta que dão o que ninguém pode dar, e os filhos simulam receber o que só eles podem buscar. E por isso logo é preciso criar uma nova demanda para manter o jogo funcionando.

O resultado disso é pais e filhos angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E, portanto, estão perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de desencontros anunciados. E mais sofrem porque precisam fingir que existe uma vida em que se pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar não a frustração que move, mas aquela que paralisa.

Quando converso com esses jovens no parapeito da vida adulta, com suas imensas possibilidades e riscos tão grandiosos quanto, percebo que precisam muito de realidade. Com tudo o que a realidade é. Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem. Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou superiores a sua, mas porque se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande.

Seria muito bacana que os pais de hoje entendessem que tão importante quanto uma boa escola ou um curso de línguas ou um Ipad é dizer de vez em quando: “Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua”. Assim como sentar para jantar e falar da vida como ela é: “Olha, meu dia foi difícil” ou “Estou com dúvidas, estou com medo, estou confuso” ou “Não sei o que fazer, mas estou tentando descobrir”. Porque fingir que está tudo bem e que tudo pode significa dizer ao seu filho que você não confia nele nem o respeita, já que o trata como um imbecil, incapaz de compreender a matéria da existência. É tão ruim quanto ligar a TV em volume alto o suficiente para que nada que ameace o frágil equilíbrio doméstico possa ser dito.

Agora, se os pais mentiram que a felicidade é um direito e seu filho merece tudo simplesmente por existir, paciência. De nada vai adiantar choramingar ou emburrar ao descobrir que vai ter de conquistar seu espaço no mundo sem nenhuma garantia. O melhor a fazer é ter a coragem de escolher. Seja a escolha de lutar pelo seu desejo – ou para descobri-lo –, seja a de abrir mão dele. E não culpar ninguém porque eventualmente não deu certo, porque com certeza vai dar errado muitas vezes. Ou transferir para o outro a responsabilidade pela sua desistência.

Crescer é compreender que o fato de a vida ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é melhor não perder tempo se sentindo injustiçado porque um dia ela acaba.





http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI247981-15230,00.html

(Eliane Brum escreve às segundas-feiras.)

quinta-feira, 14 de julho de 2011

A QUESTÃO DOS LIMITES - ROBERTO DAMATTA



A palavra mais lida nos jornais é “corrupção”. Explodem escândalos vergonhosos em todos os níveis do governo. Todos falam de roubalheiras que vêm de “cima” para “baixo”, dos “governantes” que deveriam, pela nossa velha cartilha, dar o exemplo para a sociedade. Eles não são apenas a herança do populismo lulista — um populismo de extraordinários resultados coletivos e privados, mas revelações de um sistema administrativo construído sobre uma contradição. Pois se o republicanismo que vem lá da Revolução Francesa se funda na igualdade perante a lei, o estilo brasileiro de exercer o poder é aristocrático e hierárquico.



Quem está mais longe do poder é sujeito da lei e quem o controla multiplica seus bens assaltando os recursos da sociedade impunemente e com a proteção (ou “blindagem”) governamental. É o descaso para com a igualdade republicana que está no fundo de todos esses escândalos claros ou velados, e são eles que colocam em xeque o governo e, muito mais que isso, a nossa capacidade de honrar a democracia.



Sobretudo agora que vamos bater novamente de frente com o “mensalão”, essa vergonha de um partido que prometia transformar todos os costumes políticos nacionais, mas que demonstrou que o nosso problema é muito mais de atitude gerencial e de cuidado para com a coisa pública do que de mera figuração ideologia.



Nosso moinho satânico não é bem o capitalismo com suas mais-valias e seus monopólios, mas um Estado que troca o senso de limites pelas relações de amizade que se (con)fundem com os elos partidários. O tal governo de coalizão que sempre foi a marca da política nacional é hoje a carteira privilegiada de um clube onde se chega pelo individualismo e pela igualdade das disputas eleitorais, e tira vantagem através da desigualdade que caracteriza o exercício de uma administração centralizada num “estado” que só sabe pensar em si mesmo. A nossa interpretação do liberalismo foi no sentido de transformar o seu individualismo em privilégio pessoal porque nele só enxergamos o lado dos direitos e das vantagens, esquecendo sua dimensão de dever, de honra e de responsabilidade. Dos limites e fronteiras que chegam mais pelo bom-senso e pela boa-fé do que pela policia, pelos tribunais e pelas leis.



O que falta nessa mixórdia não é discutir leis e inventar mais instituições e códigos de conduta, mas de discussão dessas inocentes pontes “naturais” e “humanas” entre gerentes públicos (prefeitos, governadores, ministros, reitores, diretores, presidentes, etc...) e administradores privados — todos enriquecendo brutalmente que com o nosso dinheiro.



E o ponto central para realizar tal discussão é ter uma consciência cada vez mais clara de que quem produz os recursos e a riqueza é a sociedade. É o conjunto de pessoas que forma o tal “povo” que não é nem pobre ou rico, mas é comum no sentido de ser parte de um todo com interesses e valores coincidentes. Pertence a esse povo o dinheiro nacional, bem como a conduta dos seus gerentes, eleitos por tempo limitado. Eles não são os seus donos, mas os seus gerentes. Eles não têm o direito de fraudar esse povo em nome de sua libertação ou de sua miséria, mas a obrigação de honrá-lo com o gerenciamento eficiente e honesto dos seus recursos.



Só a consciência radical da igualdade perante a lei e da responsabilidade publica dela decorrente pode nos libertar desse embrulho ideológico mistificador no qual os governantes se apresentam como protetores, mães, pais e tios, primos e, no fundo, proxenetas do “povo”. Esse povo propositalmente confundido de modo imoral e populista com os “pobres” que precisam de um Deus no céu e de nossa ação a seu favor na terra. É entre ele e os projetos governamentais que brotam as mestiçagens do público com o privado — essas misturas que multiplicam bens num grau que escandalizaria um imperador romano.



Precisamos urgentemente de uma consciência de limites — essa irmã do bom-senso. O bom-senso sobre o qual Tom Paine, em pleno século XVIII, exortando a separação entre pessoa e papel num mundo novo, marcado pelo individualismo e pelo ideal de liberdade e igualdade, discutia. Tal conta de chegar entre pessoa (com seus interesses particulares) e papel público (que demanda isenção, equilíbrio e altruísmo). Sabemos como isso é complexo num pais marcado pela desigualdade da escravidão, como bem viu Joaquim Nabuco. Mas, sem essa consciência do que é público e do que é particular, não vamos alcançar o mínimo da responsabilidade pública demandada numa democracia representativa, pois ela depende dessa discussão daquilo que é suficiente para cada um de nós num sistema onde, aparentemente, o céu pode ser o limite — como exemplificam os nossos representantes (???) na esfera pública, sobretudo os que nos governam.



Termino com uma parábola.



Conta-se que, numa reunião na mansão de um multimilionário americano, o escritor Kurt Vonnegut Jr. (autor, entre outros, do incrível “Matadouro 5”) perguntou ao seu colega Joseph Heller (autor do não menos perturbador e brilhante “Ardil 22”): "Joe, você não fica chateado sabendo que esse cara ganha mais num dia do que você jamais ganhou com a venda de ‘Ardil 22’ no mundo todo?" Ao que Heller respondeu: "Não, porque eu tenho alguma coisa que esse cara não tem!" Vonnegut olhou firme para ele e disse: "E o que você acha que pode ter que esse sujeito não tenha?" Resposta do Heller: "Eu conheço o significado da palavra suficiente!".



ROBERTO DAMATTA é antropólogo.



PUBLICADO NO ESTADÃO EM 13/07/2011 - CADERNO 2 - PÁGINA D-10

quarta-feira, 13 de julho de 2011

DEPOIMENTO DE LUIZ ANTÔNIO PAGOT NO SENADO: "PARTURIENT MONTES, NASCETUR RIDICULUS MUS" - JULIO FERREIRA



Qual terá sido a sórdida estratégia usada para manter "sob controle" o tal Luiz Antônio Pagot, ex-diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura dos Transportes (Dnit), durante o seu depoimento à Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado? A verdade é que ao garantir que o PR não utilizou a estrutura do órgão para montar um esquema de arrecadação financeira para campanha eleitoral, "Pagozinho" complicou ainda mais a situação, na medida em que deixou em aberto o destino do dinheiro "amealhado" no sórdido programa de propinas e superfaturamentos montados em torno das obras do PAC, gerando um escândalo tão "cabeludo", que acabou por ocasionar a desonrosa demissão do ex-titular do Ministério dos Transportes. Afinal, se todo o "festival de maracutaias" não teve como objetivo estabelecer uma reserva financeira que garantisse as milionárias campanhas eleitorais do PR, qual teria sido o destino da "montanha de dinheiro" resultante das "tenebrosas transações"? Será possível que tudo não passasse de pura e simples roubalheira, destinada a promover o "alibabesco" enriquecimento de alguns membros da elite dirigente do PR, assim como de outros tantos parentes e aderentes. Assim fica difícil! Alguém precisa esclarecer onde foi parar toda aquela "bufunfa"! É inacreditável, por exemplo, que a Receita Federal, tão eficiente no rastreamento e controle dos "caraminguados" ganhos pelos brasileiros, em troca de trabalho, confundindo salário com renda, não seja capaz de perceber, e "esmiuçar, tintim por tintim, movimentações financeiras tão estranhamente superlativas.

Júlio Ferreira
Recife - PE
E-mail: julioferreira.net@gmail.com
Blog: http://www.ex-vermelho.blogspot.com/