Piadas de salão
E agora, como ficam Lula e seu partido?
O processo do mensalão chegou ao final, com a condenação dos responsáveis pela
falcatrua levada a cabo por destacados membros do governo Lula e do PT: José
Dirceu, ex-ministro da Casa Civil da Presidência; José Genoino, então
presidente do Partido dos Trabalhadores; Delúbio Soares, ex-tesoureiro do
partido, e João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara de Deputados.
Isso sem falar em Marcos Valério,
operador do sistema, e um alto funcionário do Banco do Brasil, Henrique
Pizzolato, que entregou R$ 73 milhões ao PT para a compra de
deputados. A pergunta é como ficam Lula, seu partido e o governo petista agora,
diante da nação.
Vou referir-me aqui a determinados
fatos, de que o leitor talvez não se lembre, mas o ajudarão a entender como
nasceu o mensalão. Os fatos são estes: quando Lula foi eleito presidente da
República, José Dirceu disse-lhe que o PMDB estava disposto a apoiar seu
governo, mas Lula não quis.
Sabem por quê? Porque o PMDB, com o
peso que tinha no Congresso, iria exigir dele ministérios e a direção de
empresas estatais. Preferia aliar-se a partidos pequenos que, em lugar de altos
cargos, se contentariam como muito menos. E assim foi: em vez de ministérios ou
empresas estatais, deu-lhes dinheiro. Falando claro, comprou-os com dinheiro
público.
Não tenho dúvidas de que Lula não sujou
suas mãos nessa tarefa. Encarregou disso, conforme ficou evidente na apuração
processual, seu ministro José Dirceu, que, como disse o procurador-geral da República
na época, era o chefe da quadrilha. E dela faziam parte, entre outros, além de
Marcos Valério e do presidente do PT na época, José Genoino, o diretor da
marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, companheiro de partido.
A compra de deputados veio a público
porque o então presidente do PTB, Roberto Jefferson, negou-se a aceitar
dinheiro em troca do apoio ao governo: queria a direção de Furnas, mas José
Dirceu disse não. Esse conflito entre os dois chegou a tal ponto que ele foi à
imprensa e denunciou o que o governo fazia para ter apoio dos partidos de sua
base parlamentar: comprava-os. Era o mensalão que vinha à tona.
Lula, pego de surpresa, declarou:
"Fui traído". Ou seja, admitiu que a denúncia era verdadeira, mas ele
ignorava a falcatrua. Isso ele disse naquela hora, para se safar, porque, pouco
depois, refeito do susto, passou a afirmar que era tudo mentira, nunca houve
mensalão nenhum. Sucede que, durante sete anos, a Justiça, por meio do exame de
documentos, interrogatório e testemunhos, apurou o que realmente aconteceu e
definiu o papel de cada um nesse grave crime.
O escândalo, ao eclodir, quase acaba
com o PT e o governo Lula. Os membros efetivamente comprometidos com a ética
deixaram o partido, e Lula, ao que tudo indica, chamou os executores do
mensalão e os fez se deixarem acusar sem contar a verdade. Delúbio assumiu
sozinho a culpa por tudo, disse que Lula não sabia de nada. Isso, mesmo estando
todos os domingos com ele, na Granja do Torto, fazendo churrasco.
A verdade é que, embora eles pensassem
que tudo ia acabar como piada de salão, não foi isso que aconteceu. Rompendo
com a tradição de impunidade, que sempre favoreceu aos poderosos, o Supremo
Tribunal Federal, num julgamento que foi realizado à vista da nação inteira,
decidiu pela condenação e prisão de todos os que comprovadamente participaram
da operação criminosa, cujo objetivo era dar apoio político ao presidente Lula.
Em consequência dessa decisão, José
Dirceu, José Genoino, João Paulo Cunha e Delúbio Soares, entre outros, irão
pagar na cadeia pelo crime que cometeram.
Condenados pela Suprema Corte da
Justiça, num julgamento em que todos os ministros manifestaram suas opiniões e
votaram conforme sua consciência, não tem cabimento dizer que se trata de um
julgamento político. Não obstante, Dirceu e Genoino se fazem de vítima e se
dizem "presos políticos". Para isso, seria preciso que o atual
governo fosse uma ditadura e que
Dilma é que tivesse mandado prendê-los.
Isso, sim, é piada de salão. Soube que, ao sair a ordem de prisão, Lula
telefonou para Dirceu e Genoino e lhes disse: "Estamos juntos!". Só
que os dois estão em cana e ele, solto. Outra piada.
Ferreira Gullar é cronista, crítico
de arte e poeta. Escreve aos domingos na versão impressa de
"Ilustrada".