sexta-feira, 26 de novembro de 2010

DIREITOS HUMANOS? 5


Parece que finalmente o mundo despertou para o que está acontecendo em El Aaiun depois de vários dias, terríveis dias, para os saharauis do desmantelamento do campo de Gdaim Izik (Dignidade!). O Parlamento Europeu solicitou às autoridades marroquinas o livre acesso de jornalistas e observadores internacionais no Sahara Ocidental. A intenção e promessa dos marroquinos era a de fazer uma investigação através de seu próprio parlamento. Alguém acredita que seria imparcial? O Parlamento Europeu está indicando a ONU como parte neutra para as investigações dos tristes acontecimentos que tanta dor e sofrimento causaram aos nativos do lugar. Esperemos que, pelo menos, cessem as hostilidades e as perseguições e possam ser esclarecidas as mortes e os desaparecimentos denunciados pelos saharauis. Em entrevista pela internet, a jornalista Ana Romero, disse apenas o que podia dizer, pois está no país, vigiada constantemente por policiais marroquinos que diziam que apenas a protegiam(?) quando na verdade evitavam é que os naturais dela se aproximassem e pudessem contar coisas que o mundo não pode saber. Do pouco que pode dizer dá para entender o quanto há de mentiras nas declarações do governo marroquino sobre o número de mortos, desaparecidos(?) e detidos. A própria Ana Romero foi autorizada verbalmente a visitar o pais e é a única, pelo menos até ontem, com certa capacidade de repassar as notícias. O mais grave é que seu trabalho é censurado, como ela mesmo declarou pois antes de transmitir grande parte de sua mensagem é deletada. Uma das coisas que deixa a gente mais pesaroso é a declaração quase unânime dos saharauis que demonstra todo o seu desespero: "Estamos nas mãos de Deus, só ele pode nos ajudar"!

terça-feira, 23 de novembro de 2010

DIREITOS HUMANOS? 4

Enquanto a ONU e outras entidades internacionais, aos poucos, como soe acontecer nestes casos em que minorias ou povos humildes são massacrados, o governo marroquino, na mais autêntica demonstração de hipocrisia, recebe jornalistas espanhóis mostrando-lhes apenas o que querem que o mundo saiba, está tudo em ordem: reina a paz no El Aiun, não há cadáveres na morgue, nem feridos graves nos hospitais. Claro, as máquinas de terraplenagem já fizeram seu serviço de enterrar as provas e sabe-se lá, quantos cadáveres; os feridos, massacrados que foram pelas tropas marroquinas e por civis marroquinos por elas apoiados, estão escondidos em suas casas que já não lhes oferecem as mínimas condições de segurança já que não são capazes de resistir às botas dos "invasores"; os hospitais estão vazios sim porque os saharauis deles não podem sequer se aproximar, muitos com fraturas expostas, ferimentos à bala, espancados ou arrastados por viaturas militares como o caso do menininho narrado na crônica "Direitos Humanos? 3" neste blog. Segundo informações que tive hoje o pequeno está muito mal. Coisas como esta a imprensa não vai poder relatar, pois algum compromisso, que não com a plena verdade, devem ter assumido para poder visitar o país. Esperemos que tais fatos ainda se tornem de domínio público mundial e todos sintam o absurdo que está acontecendo no Sahara Ocidental. Sabemos que não é só isto que acontece no mundo, porém, vamos nos bater pelo menos por esta causa. Agradeço a todos o apoio que tenho tido nesta minha cruzada, nossos reclamos haverão de chegar a quem de direito ...

domingo, 21 de novembro de 2010

DIREITOS HUMANOS? 3


Carta-depoimento de um saaraui residente em El Aaiún, no Saara Ocidental ocupado pelo Marrocos, recebida no dia 19 de novembro de 2010.


Espero que possa redigir bem o que aconteceu e que você possa entender minha forma de expressar as coisas. Você sabe que há quase um mês se montou o acampamento de protesto pacífico nos arredores de El Aaiún, com tendas beduínas e tendas de campanha, etc. Montou-se fora da cidade para evitar que se produzisse alguma briga entre os marroquinos e os saaráuis e assim não dar motivo a intervenções policiais. Quase todos os saarauis nativos de El Aaiún estavam no acampamento. A situação era de paz total, não reivindacávamos nem independência, nem referendo, nem nada disso. Só pedíamos trabalho para os licenciados, ajuda para os deficientes e idosos. No fundo, tínhamos plena confiança de que esta atitude ia ser bem recebida pelo governo marroquino. Estivemos 22 días negociando a solução desse problema com as autoridades locais marroquinas.
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No entanto, na segunda, dia 8 (refere-se ao dia 08.11.2010) apareceram milhares de soldados e policiais, com apoio de 3 helicópteros. Apareceram às tres da madrugada, dizendo que iam evacuar o acampamento e que davam uma hora para que as pessoas fossem embora. Como você pode comprender, não é possível evacuar 30.000 pessoas -com idosos, crianças, mulheres incluídos- em só uma hora. Assim, começou a intervenção do exército contra o acampamento.
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Devido a que agiam com total brutalidade e contra toda a população, tentamos nos defender para ver se salvávamos as mulheres e as crianças, mas a agressão era tão forte e tão brutal que a única coisa que podíamos fazer era sair correndo, como podíamos e os que podiam. Ficou muita gente, cercada pelo fogo e pela água quente que o exército jogava. Tem muita mais gente morta do que se diz. O que acontece é que isso será conhecido com o passar do tempo. Quando amanheceu, começaram a disparar indiscriminadamente e as pessoas se espalharam pelo deserto como puderam.
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Dada essa cruel intervenção contra civis indefesos, o resto da população se revoltou violentamente, queimando contêineres, jogando pedras, etc, porque todo mundo tinha parte de sua familia nesse acampamento (refere-se ao acampamento "Gdeim Izik": Dignidade). Durante todo o dia, a revolta continuou e, já pela tarde, os colonos marroquinos começaram a atacar e saquear as casas dos saarauis, entre elas a da minha família. Como havia muita tensão e medo em El Aaiún, tomamos a fatal decisão de sair fora da cidade, a uns 14 kms.
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Lá estávamos todos juntos, sentindo-nos protegidos pela distância, quando, por volta da meia-noite, começaram a aparecer policiais e militares. Fomos todos algemados, incluídos mulheres, crianças e meus pais. Puseram-nos de bruços e nos espancaram com uma espécie de bastão de beisebol, mas um pouco menor e de alumínio. Começaram a nos interrogar sobre coisas que não sabíamos, como por exemplo: quem tinha organizado o acampamento, onde se escondiam os que tinham negociado com o governo, etc. etc.
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Tiraram-nos a roupa e nos espancaram. Com meu pai, fizeram barbaridades que prefiro não contar. Diziam-nos que, se não falássemos, continuariam torturando-o. Depois amarraram as mãos da minha mãe e começaram a espancá-la diante de todos nós com o bastão, como se fosse um animal, até que as costas dela começaram a sangrar. Eu fiquei inconsciente durante uns segundos devido ao choque de ver a minha mãe torturada. Os gritos dela eram horrorosos.
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Quando me recuperei, estavam amarrando o meu sobrinho de pouco mais de 3 anos, pelos pés, em um jeep militar. Então começaram a arrastá-lo devagar pelo chão, dizendo-nos que, se não falássemos, acelerariam o veículo e o matariam. Finalmente fizeram isso, aceleraram e o arrastaram quase um quilômetro. Começamos a gritar e a chorar, mas, quanto mais gritávamos, era pior.
Ficamos assim da meia-noite até às sete e quinze da manhã. Finalmente me vendaram os olhos. Fizeram o mesmo com meus dois irmãos e com um dos meus cunhados. Puseram-nos em um veículo policial, fatigados, meio desmaiados e com pancadas por todo o corpo. E aí, nos levaram à cidade.
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Na delegacia havia centenas de saarauis com os olhos vendados e muitos policiais. Coube a mim um quartel da gerdarmaria (polícia marroquina). Durante a tortura, me fraturaram ossos das pernas e algumas costelas. Meus olhos e minha boca estão arrebentados e os dedos da mão direita estão quebrados. O resto da família também está mal, se bem que com ferimentos que podem ser considerados leves se comparados com outros. O pior são os ferimentos do meu sobrinho, que está com o corpo em carne viva, como se tivesse uma queimadura.
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Quando nos soltaram do quartel, fomos para casa. Um dos meus irmãos foi ao hospital, mas até agora não voltou. E já faz dois dias. Pelo visto, voltam a prender as pessoas não marroquinas que se aproximam ao hospital. Nós, saarauis, não podemos ter acesso à assistência sanitária.
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Já faz dois dias que o pior são os ataques de civis marroquinos, respaldados e protegidos pelo exército e pela polícia. Arrombam as casas, violam as mulheres, saqueiam e destroem tudo. Ontem às 21:25 hs, pegaram um saaraui de 21 anos e o degolaram em público, no meio da rua, sem que ninguém pudesse fazer nada. Foi degolado por civis marroquinos.
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Pedimos ao mundo que detenha tudo isto, por favor, que acabe com esta barbárie e que os marroquinos tenham um pouco de moralidade e parem de agredir e de matar saarauis inocentes. A atitude da polícia e dos colonos piorou hoje, especialmente depois de ouvirem que a ONU não vai intervir. Agora sim que estamos em perigo. As ruas estão tomadas por colonos e policiais. Sair para comprar comida ou qualquer outra coisa significa um risco, além dos insultos, pedradas, ameaças, etc. Não tenho outra palavra para descrever esta situação: HORROR.

Um abraço a todos e obrigado pela atenção.
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(esta é uma versão da carta-depoimento, traduzida do espanhol)
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OBS: por motivos óbvios o nome do depoente será mantido em sigilo.