domingo, 21 de novembro de 2010

DIREITOS HUMANOS? 3


Carta-depoimento de um saaraui residente em El Aaiún, no Saara Ocidental ocupado pelo Marrocos, recebida no dia 19 de novembro de 2010.


Espero que possa redigir bem o que aconteceu e que você possa entender minha forma de expressar as coisas. Você sabe que há quase um mês se montou o acampamento de protesto pacífico nos arredores de El Aaiún, com tendas beduínas e tendas de campanha, etc. Montou-se fora da cidade para evitar que se produzisse alguma briga entre os marroquinos e os saaráuis e assim não dar motivo a intervenções policiais. Quase todos os saarauis nativos de El Aaiún estavam no acampamento. A situação era de paz total, não reivindacávamos nem independência, nem referendo, nem nada disso. Só pedíamos trabalho para os licenciados, ajuda para os deficientes e idosos. No fundo, tínhamos plena confiança de que esta atitude ia ser bem recebida pelo governo marroquino. Estivemos 22 días negociando a solução desse problema com as autoridades locais marroquinas.
.
No entanto, na segunda, dia 8 (refere-se ao dia 08.11.2010) apareceram milhares de soldados e policiais, com apoio de 3 helicópteros. Apareceram às tres da madrugada, dizendo que iam evacuar o acampamento e que davam uma hora para que as pessoas fossem embora. Como você pode comprender, não é possível evacuar 30.000 pessoas -com idosos, crianças, mulheres incluídos- em só uma hora. Assim, começou a intervenção do exército contra o acampamento.
.
Devido a que agiam com total brutalidade e contra toda a população, tentamos nos defender para ver se salvávamos as mulheres e as crianças, mas a agressão era tão forte e tão brutal que a única coisa que podíamos fazer era sair correndo, como podíamos e os que podiam. Ficou muita gente, cercada pelo fogo e pela água quente que o exército jogava. Tem muita mais gente morta do que se diz. O que acontece é que isso será conhecido com o passar do tempo. Quando amanheceu, começaram a disparar indiscriminadamente e as pessoas se espalharam pelo deserto como puderam.
.
Dada essa cruel intervenção contra civis indefesos, o resto da população se revoltou violentamente, queimando contêineres, jogando pedras, etc, porque todo mundo tinha parte de sua familia nesse acampamento (refere-se ao acampamento "Gdeim Izik": Dignidade). Durante todo o dia, a revolta continuou e, já pela tarde, os colonos marroquinos começaram a atacar e saquear as casas dos saarauis, entre elas a da minha família. Como havia muita tensão e medo em El Aaiún, tomamos a fatal decisão de sair fora da cidade, a uns 14 kms.
.
Lá estávamos todos juntos, sentindo-nos protegidos pela distância, quando, por volta da meia-noite, começaram a aparecer policiais e militares. Fomos todos algemados, incluídos mulheres, crianças e meus pais. Puseram-nos de bruços e nos espancaram com uma espécie de bastão de beisebol, mas um pouco menor e de alumínio. Começaram a nos interrogar sobre coisas que não sabíamos, como por exemplo: quem tinha organizado o acampamento, onde se escondiam os que tinham negociado com o governo, etc. etc.
.
Tiraram-nos a roupa e nos espancaram. Com meu pai, fizeram barbaridades que prefiro não contar. Diziam-nos que, se não falássemos, continuariam torturando-o. Depois amarraram as mãos da minha mãe e começaram a espancá-la diante de todos nós com o bastão, como se fosse um animal, até que as costas dela começaram a sangrar. Eu fiquei inconsciente durante uns segundos devido ao choque de ver a minha mãe torturada. Os gritos dela eram horrorosos.
.
Quando me recuperei, estavam amarrando o meu sobrinho de pouco mais de 3 anos, pelos pés, em um jeep militar. Então começaram a arrastá-lo devagar pelo chão, dizendo-nos que, se não falássemos, acelerariam o veículo e o matariam. Finalmente fizeram isso, aceleraram e o arrastaram quase um quilômetro. Começamos a gritar e a chorar, mas, quanto mais gritávamos, era pior.
Ficamos assim da meia-noite até às sete e quinze da manhã. Finalmente me vendaram os olhos. Fizeram o mesmo com meus dois irmãos e com um dos meus cunhados. Puseram-nos em um veículo policial, fatigados, meio desmaiados e com pancadas por todo o corpo. E aí, nos levaram à cidade.
.
Na delegacia havia centenas de saarauis com os olhos vendados e muitos policiais. Coube a mim um quartel da gerdarmaria (polícia marroquina). Durante a tortura, me fraturaram ossos das pernas e algumas costelas. Meus olhos e minha boca estão arrebentados e os dedos da mão direita estão quebrados. O resto da família também está mal, se bem que com ferimentos que podem ser considerados leves se comparados com outros. O pior são os ferimentos do meu sobrinho, que está com o corpo em carne viva, como se tivesse uma queimadura.
.
Quando nos soltaram do quartel, fomos para casa. Um dos meus irmãos foi ao hospital, mas até agora não voltou. E já faz dois dias. Pelo visto, voltam a prender as pessoas não marroquinas que se aproximam ao hospital. Nós, saarauis, não podemos ter acesso à assistência sanitária.
.
Já faz dois dias que o pior são os ataques de civis marroquinos, respaldados e protegidos pelo exército e pela polícia. Arrombam as casas, violam as mulheres, saqueiam e destroem tudo. Ontem às 21:25 hs, pegaram um saaraui de 21 anos e o degolaram em público, no meio da rua, sem que ninguém pudesse fazer nada. Foi degolado por civis marroquinos.
.
Pedimos ao mundo que detenha tudo isto, por favor, que acabe com esta barbárie e que os marroquinos tenham um pouco de moralidade e parem de agredir e de matar saarauis inocentes. A atitude da polícia e dos colonos piorou hoje, especialmente depois de ouvirem que a ONU não vai intervir. Agora sim que estamos em perigo. As ruas estão tomadas por colonos e policiais. Sair para comprar comida ou qualquer outra coisa significa um risco, além dos insultos, pedradas, ameaças, etc. Não tenho outra palavra para descrever esta situação: HORROR.

Um abraço a todos e obrigado pela atenção.
.
(esta é uma versão da carta-depoimento, traduzida do espanhol)
.
OBS: por motivos óbvios o nome do depoente será mantido em sigilo.

21 comentários:

  1. É uma verdadeira vergonha que os países principalmente do chamado "primeiro mundo" prefiram virar de lado e nao querer ver o que está acontecendo de fato no Saara Ocidental. Eu fico indignada e imagino a impotência deste povo ao perceber que as potencias por interesses comerciais ou políticos nao se pronunciem em contra desta horrorosa violaçao do direitos humanos e deixem o Marrocos atuar desta forma. Nao tenho palavras... O único que posso fazer é repassar este blog a conhecidos e esperar que talvez esta carta chegue em maos de quem possa fazer valer a sua palavra nos meios de comunicaçao e sensibilizar as pessoas perante esta barbaridade em pleno século XXI e que ocorre infelizmente nao só no Saara Ocidental mas em tantos lugares remotos abandonados a sua sorte. Simone Minaes

    ResponderExcluir
  2. Comprendo que quizás los problemas del Sahara Occidental vistos desde Brasil quizás caen muy lejos...pero grano a grano de tierra se hace toda una playa. Nada nos es ajeno en un mundo globalizado. Pido que se ayude a que la gente conozca que se está acabando con todo un pueblo porque en este mundo valen las los intereses económicos que los Derechos Humanos.

    ResponderExcluir
  3. Gracias de nuevo por dar a conocer el TERROR que MARRUECOS está imponiendo a nuestro pueblo. una saharaui

    ResponderExcluir
  4. Lo que está pasando en el Sahara desde el desmantelamiento del campamento de Gdaim Izik (y desde hace 35 años en realidad) es una vergüenza para España, que dejó a ese pueblo en un proceso de descolonización a medias. España sigue siendo la potencia administrativa "de iure", mientras que Marruecos es el invasor "de facto". Dentro del derecho internacional, Marruecos no tiene ninguna soberanía sobre el Sahara y lo que está haciendo es ejercer su tiranía y semblar el horror. Zapatero dijo en la Cumbre de la Otan ayer que hace falta una solución permanente para el conflicto. A ver si es verdad que va a hacer algo, señor ZP!! Esperemos poder ver la luz al final del túnel. un amigo del pueblo saharaui

    ResponderExcluir
  5. Onde está a ONU?! Onde está o humanitarismo dos europeus? E o dos EUA, que não hesitaram em intervir no Iraque quando isto lhes pareceu conveniente? E o Brasil, esta nova potência emergente, não se manifestará contra o genocídio no Saara Ocidental?! Pensem na barbaridade que é a tortura de um pequeno inocente, uma criança de três anos de idade, sendo covardemente arrastada na traseira de um jeep militar... Não poderia ser esta criança um filho de qualquer um de nós? Já tentaram experimentar, ainda que por imaginação apenas, o tamanho dessa dor? É abominável a conduta do Marrocos! Vamos escrever, vamos gritar, vamos, cada um de nós, fazer pelo menos o mínimo que estiver ao nosso alcance! Vamos dar ao Marrocos uma vaia tremenda, universal, que ecoe em todos os cantos deste mundo!

    ResponderExcluir
  6. Meu nome e Maria de Lourdes, sou de Campinas/SP tenho lido sobre a situacao absurda que esta acontecendo no saara Ocidental, e um absurdo completo, e mais ainda e ver que o mundo assite sem tomar nenhuma atitude!!!! onde esta os direitos humanos, alooooo....vamos acordar representantes da OTAN, ONO etc. nao vamos assistir mais um massacre de bracos cruzados.

    ResponderExcluir
  7. Infelizmente este é mais um dos casos de evidente violação dos direitos humanos que ocorrem em todo o mundo. Quando os chamados "defensores dos direitos humanos" vão passar a defender o direito das vítimas, como no caso do Saara Ocidental, ao invés de defender o direito dos agressores. No Brasil, por exemplo, os mesmo que defendem com entusiasmo os direitos de presidiários nem ao menos querem saber quem foram suas vítimas. Cobrar governos e órgãos para que tomem posição com relação ao direito das vítimas mostra que não somos os omissos que eles julgma que nós sejamos.
    Marcelo Pereira

    ResponderExcluir
  8. Infelizmente este é mais um dos casos de evidente violação dos direitos humanos que ocorrem em todo o mundo. Quando os chamados "defensores dos direitos humanos" vão passar a defender o direito das vítimas, como no caso do Saara Ocidental, ao invés de defender o direito dos agressores? No Brasil, por exemplo, os mesmo que defendem com entusiasmo os direitos de presidiários nem ao menos querem saber quem foram suas vítimas. Cobrar governos e órgãos para que tomem posição com relação ao direito das vítimas mostra que não somos os omissos que eles julgam que nós sejamos.
    Marcelo Pereira

    ResponderExcluir
  9. ALLOOO ,POVO MARROQUINO PAREM COM ESSES MASSACRES, RESPEITEM AS CULTURAS ESTAMOS EM PLENO SÉCULO 21, NÃO ESTAMOS NA ERA PRIMITIVA, ESTOU SOLIDÁRIA COM O POVO SAARA OCIDENTAL. TODOS OS PAÍSES DO MUNDO INTEIRO, TEM QUE SE MANIFESTAR CONTRA ESTA BARBARIDADE. PORTUGAL ACABA DE RECEBER AS AUTORIDADES DA NATO, NÃO SERIA TAMBÉM IMPORTANTE DESCUTIR, ESTE PROBLEMA GRAVE QUE SE PASSA NO SAARA OCIDENTAL? ABAIXO A VIOLÊNCIA? QUE OS POVOS CONSIGAM A PAZ E A LIBERDADE RESPEITANDO-SE UNS OS OUTROS....

    ResponderExcluir
  10. é absurdo que em pleno seculo xxi tenhamos q presenciar esse ipo de atitude. É mais absurdo ainda que tudo o que esta acontecendo seja visto por países e governantes de países que poderiam ajudar mas que nada fazem. Deixo aki minha indignação e meu repúdio às atitudes de uma instituição que tem por princípio proteger os civis mas que por desumanização os trata com desrespeito ou pior. Deve-se fazer algo para proteger as pessoas. E Com urgencia.

    ResponderExcluir
  11. Nosso ainda presidente LULA, elogiado por Obama, deveria utilizar suas influências para, junto à ONU, condenar o Marrocos nessa terrível VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS. É inconcebível que um povo esteja sendo exterminado "nas portas da Europa" e a Espanha, a França (parceiro do Marrocos) e toda a comunidade internacional virem o rosto para outro lado (para seus interessas éconômicos e estratégicos). Sejamos humanos e cobremos o mesmo de nossos governantes. João Pedro

    ResponderExcluir
  12. Desde Madrid...

    En este planeta globalizado es alentador ver que personas en la otra punta del Atlántico ahí en ese hermoso país que es Brazziil, se preocupan por la situación en el Sahara occidental.

    Por cierto, merece la pena tomar nota de que la población "Saharaui" ya no es "Saharawi" en Inglés sino que algunos documentos recientes incluso de la supuestamente muy imparcial BBC, aparece como "Saharan", "nómadas del desierto del Sahara que se instalaron en la zona en los años sesenta (sic)".

    A eso, Señoras y Señores, se le llama "diplomacia eficaz y defensa de intereses nacionales". Y no a lo que desde esta capital, Madrid, se hace, en este tema y en otros, bi y multilaterales.

    Pero es más bochornosa, si cabe, la situación de España con respecto a este tema preciso: parecería que todavía no nos hemos enterado de que España sigue, desde la perspectiva de Naciones Unidas, potencia administradora a la que corresponde concluir el proceso de descolonización del Sahara iniciado en 1963.
    Véase al respecto la carta del asesor legal de la ONU (2002) párrafos 5 a 8: http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/2002/161
    Saludos
    Estrella.
    PD: como vereis, el asesor legal habla de "Saharawi" y no de "Saharan"

    ResponderExcluir
  13. Tengo amigos saharauis en España y puedo asegurar que también me cuentan testimonios semejantes al de la carta. Se trata de una brutalidad sin límites, además de los casos más sonados que salen en la prensa. Y lo peor es ahora el ataque de los civiles marroquíes que se sienten apoyados por el ejército y la gerdarmería. Están exterminando a los saharauis del Aaiun y no se hace nada.

    ResponderExcluir
  14. a ONU é uma farsa, protege os direitos humanistas baseada nas relações econômicas e de poder.

    Existem muitos pequenos grupos tendo sua liberdade e sua cultura massacradas em nome do poderio econômico de países e empresas.

    ResponderExcluir
  15. Lo de que la ONU es una farsa es cierto. Por ejemplo, la MINURSO, la Misión de Paz de la ONU en el Sáhara desde 1991, es la única misión en todo el mundo que no tiene obligación de vigilar el cumplimiento de los derechos humanos. Es la excepción mundial,ya que las otras 18 misiones que han existido, todas, salvo la del Sahara, tienen y tenían obligación de velar por esos derechos.

    ResponderExcluir
  16. Mis amigos saharauis que viven en España me dicen que sus familiares en El Aaiún están encerrados en casa, con miedo a salir a la calle. Los heridos en las torturas no reciben asistencia médica, así que las casas son como hospitales de urgencia. Marruecos dejó entrar a los periodistas, pero lo ha "limpiado" todo, ha "planchado" con excavadoras lo que quedaba del campamento (esto sale en la prensa española) y los civiles marroquíes simulan normalidad en las calles para que el mundo no se entere de lo que verdaderamente está pasando allí. Hasta cuándo España, Europa y los EEUU van a consentir eso??? Y el resto del mundo, el presidente LULA incluido, tampoco hace nada??? Y ya no digo nada de la ONU...

    ResponderExcluir
  17. Sou um brasileiro que mora na Espanha e acompanho as notícias sobre o Sahara. Hj, no El País saíram testemunhos que corroboram o que está postado aqui. O título é: "Varios saharauis declaran que foram tiroteados y torturados en El Aaiún. Los testimonios contradicen la versión de las autoridades de Marruecos" http://www.elpais.com/articulo/internacional/Varios/saharauis/declaran/fueron/tiroteados/torturados/Aaiun/elpepuint/20101123elpepiint_4/Tes Seria interessante que NOSSO PRESIDENTE LULA demonstrasse sua influência internacional interferindo nesse conflito. Ele não queria um cargo na ONU??

    ResponderExcluir
  18. O que é contado aqui é absurdo nos tempos que vivemos. Não entendo como não fazem nada para parar esse massacre. Como é possível que o governo do Marrocos possa ser mais poderoso que os governos europeus que poderiam fazer algo, como Espanha e França, por exemplo? O que esses governos devem ao Marrocos? E o governo brasileiro? Também deve algo ao Marrocos ou poderia ajudar esse povo desamparado até pela ONU?
    Olga Maria

    ResponderExcluir
  19. El Parlamento Europeo pide a Marruecos que acepte una investigación sobre los sucesos del Sáhara
    La resolución se ha aprobado a pesar de los intentos de Marruecos de aplazar el pronunciamiento de los eurodiputados
    ANDREU MISSÉ | Bruselas 25/11/2010

    Pedir????!!!!! ¡¡¡NO!!!! ¡¡¡Condena ya!!!!!

    ResponderExcluir
  20. Aloooooooo imprensa brasileira, visibilidade já aos fatos do SAHARA!!!!

    ResponderExcluir
  21. Um relatório da Human Rights Watch divulgado hoje confirma torturas parecidas às relatadas nesta carta-depoimento, além de deixar claro o clima de repressão que se vive em El Aaiún desde que o Marrocos desmantelou cruelmente o acampamento de protesto pacífico de Gdeim Izik.

    ResponderExcluir