quinta-feira, 29 de abril de 2010

FICHA LIMPA E O CÉRBERO GOVERNISTA - ANDRÉ DE PAULA

Ficha Limpa e o Cérbero governista
Publicado em 27.04.2010

André de Paula

O clamor das ruas tem nome, endereço e CPF: mais de um milhão de brasileiros que tomaram a iniciativa de apresentar o projeto Ficha Limpa. O objetivo da lei é claro: separar o joio, os delinquentes, do trigo, os políticos que exercem com decência seus mandatos. Os adversários da lei, também, têm nome, endereço CPF: são os parlamentares integrantes da bancada governista que atuam como Cérbero, o cão mitológico, cão de guarda do reino dos mortos. Naquele reino, era possível entrar, sair, jamais. Seriam despedaçados pela fera tal qual o projeto de ficha limpa, aqui no mundo dos vivos e espertos: O projeto entrou no Congresso, mas os "Cérberos" de guarda do governo cumprirão a missão diabólica de destruí-lo.

É o que vem fazendo a bancada governista. As várias cabeças do monstro parlamentar multiplicam obstáculos regimentais contanto que o projeto venha a sucumbir.

Explico melhor. Nos últimos dias, o projeto Ficha Limpa que poderia - se contasse com apoio da base do governo - ser analisado, em regime de urgência, pela Câmara, foi devolvido à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, sob o argumento de que novas emendas oferecidas à proposição deveriam receber parecer do referido órgão técnico. Paralelamente, acordo entre os líderes, com a chancela da maioria governamental, adiou para maio a votação do projeto.

Com efeito, uma derrota, ainda que parcial, da sociedade civil, autora da proposta. Não custa lembrar, que o Projeto de Lei Complementar 518/2009, intitulado de Ficha Limpa, nasceu da iniciativa do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que apresentou proposta de alteração legislativa ao Congresso, com 1 milhão e 300 mil assinaturas, visando, basicamente: tornar mais rápidos os trâmites judiciais que tratam da inelegibilidade, aumentar o rol das condicionantes que podem impedir registro de candidatura e estender os prazos para a duração das penas. Um grupo de trabalho foi criado com objetivo de estudar a matéria e apresentar relatório conclusivo sobre o tema. Dos trabalhos empreendidos, concebeu-se o substitutivo - construído com habilidade política e sensibilidade cívica, pelo relator do grupo, o deputado Índio da Costa. De acordo com o substitutivo, entre as novidades, fica impedida a candidatura a partir da condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena, e desde que decisão seja proferida por órgão colegiado do poder judiciário, os que cometerem os crimes: contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público, contra o meio ambiente e a saúde pública, eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade, de abuso de autoridade, de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos.

Ao lado de outras proposições que tramitam na Casa, a exemplo do fim do foro privilegiado, o projeto Ficha Limpa vem em socorro da moralização na atividade política. Mais ainda, vem proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração pública. Vai além, ao permitir a oxigenação dos quadros políticos e a higidez no acesso aos cargos eletivos. Para se ter ideia do alcance do projeto e dos prováveis efeitos que produzirá - e não faço aqui um juízo antecipado de valor - de acordo com o Projeto Excelências, da ONG Transparência Brasil, cerca de 207, dos 513 parlamentares da Câmara, enfrentam algum processo na Justiça ou nos tribunais de contas. No Senado, 31 dos 81 senadores, também.

Estatística recente divulgada pela Procuradoria Regional da República da 5ª Região nos traz um alerta: dos 513 parlamentares da Câmara, apenas 13% responderam formulário declarando apoio ao projeto. Eu que respondi a pesquisa, e já manifestei meu apoio ao projeto, fiquei perplexo diante dos números. Resta-nos a mobilização. No Congresso, as oposições atuarão vigilantes. Da sociedade, espera-se o exercício democrático de cidadania, a mobilização permanente e que dela nasça, como no mito, o novo Hércules capaz - e a história já mostrou - de vencer essa espécie de "Cérbero" dos nossos tempos.

» André de Paula é deputado federal do Democratas/PE.


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