quarta-feira, 6 de agosto de 2014

MENTIRAS QUE CUSTAM CARO - Vargas Llosa

 MENTIRAS QUE CUSTAM CARO (Vargas Llosa), publicado no jornal “O Estado de São Paulo”.

UM ESTRANGEIRO - não é petista nem tucano - FALA DO BRASIL
Talvez o maior escritor latino-americano vivo, o peruano Mario Vargas
Llosa (Nobel em literatura em 2010) escreveu sobre o Brasil para um
jornal argentino. Profundo conhecedor de nossas raízes, é autor de uma
obra-prima literária, "A GUERRA DO FIM DO MUNDO", romance histórico em
que retrata a saga de Canudos e de Antônio Conselheiro. O texto é leve,
e interessante a sua opinião: quem olha de fora não está afetivamente
ligado a nenhuma bandeira partidária, o que favorece a imparcialidade.
Leia aqui a tradução do espanhol.
ARTIGO DE VARGAS LLOSA:
MENTIRAS QUE CUSTAM CARO
A DERROTA DO BRASIL, ESPELHO DE UM PAÍS EM APUROS
Por Mario Vargas Llosa | Para LA NACION
MADRID.- Senti muita pena da catastrófica derrota do Brasil para a
Alemanha na semifinal da Copa do Mundo, mas confesso que não chegou a
ser uma surpresa. Faz algum tempo que a famosa seleção canarinho já não
é mais a mesma, hoje bem diferente da mítica esquadra brasileira que
deslumbrou minha juventude, impressão que se confirmou para mim já nas
primeiras partidas deste campeonato mundial. A equipe brasileira deixou
uma imagem muito negativa: fazia esforços desesperados para não ser o
que foi no passado, tratando de jogar um futebol de fria eficiência, nos
moldes europeus.
Nada funcionava direito; havia algo forçado, artificial, antinatural
nesse esforço, que se traduzia num rendimento sem inspiração de todo o
grupo, inclusive de sua principal estrela, Neimar. Todos os jogadores
pareciam amarrados. O velho estilo - de um Pelé, Sócrates, Garrincha,
Tostão, Zico - seduzia porque estimulava o triunfo e a criatividade de
cada um, disso resultando que a equipe brasileira, além de fazer gols
(eficácia), também oferecia um espetáculo soberbo, no qual o futebol era
mais do que esporte, convertendo-se em arte: coreografia, dança, circo,
balé.
A crônica esportiva encheu de impropérios Luiz Felipe Scolari (treinador
brasileiro), responsabilizando-o pela humilhante derrota, alegando que
ele impôs à seleção um sistema de jogo coletivo que traiu uma tradição
de excelência, impedindo a brilhatura e iniciativa individuais, antes
inseparáveis de sua eficácia, transformando os jogadores em simples
peças de uma estratégia, quase autômatos. No entanto, acredito eu que a
culpa de Scolari não é exclusivamente sua; antes, é, talvez, uma
manifestação - no âmbito esportivo - de um fenômeno que, já faz algum
tempo, representa TODO O BRASIL, qual seja, viver uma ficção que é
brutalmente desmentida por uma realidade profunda.
Tudo começa com o governo de Lula da Silva (2003-2010), o qual, conforme
um mito universalmente aceito, "deu o impulso decisivo ao
desenvolvimento econômico do Brasil, assim despertando o gigante
adormecido e o encaminhando na direção das grandes potências". As
estatísticas formidáveis fornecidas pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) eram aceitas por todos: no período, o
número de pobres baixou de 49 para 16 milhões; e a classe média aumentou
de 66 para 113 milhares. Não é de se estranhar que, com tais
credenciais, Dilma Rousseff (companheira e discípula de Lula) haja
vencido as eleições com tanta facilidade. Porém, agora que Dilma
pretende reeleger-se e a verdade sobre a economia brasileira parece
tomar o lugar do mito, muitos a estão responsabilizando pelo declínio
veloz da economia e, ainda, pedem um regresso ao "lulismo", isto é, ao
governo que semeou, com suas políticas mercantilistas e corruptas, as
sementes da catástrofe.
A verdade é que não houve nenhum milagre naqueles anos. O que houve,
sim, foi uma grande fantasia, que somente agora começa a ser
desmascarada, exatamente como ocorreu com o futebol brasileiro. Ora, a
política populista que Lula pôs em prática durante seus mandatos acabou
produzindo a ilusão de progresso social e econômico que não passou de
fugaz pirotecnia. O endividamento que financiava os custosos programas
sociais era, com grande frequência, uma cortina de fumaça para a
corrupção que levou muitos ministros e altos funcionários - daqueles
anos e de agora também - para a cadeia ou ao banco dos réus. As ligações
mercantilistas entre governo e empresas privadas enriqueceram um
considerável número de agentes políticos e de empresários, mas criaram
um sistema tão diabolicamente burocrático que acabou incentivando a
corrupção e enfraquecendo os investimentos. Por outro lado, o Estado se
meteu muitas vezes em faraônicas e irresponsáveis operações como, por
exemplo, os enormes gastos com a Copa.
O governo brasileiro disse que não haveria dinheiro público nos 13
bilhões que seriam investidos na organização da Copa. ERA MENTIRA! O
BNDS (Banco Brasileiro de Desenvolvimento) financiou quase todas as
empresas que "ganharam" as obras de infraestrutura. E TODAS essas
empresas subsidiam o Partido dos Trabalhadores, atualmente no poder.
(Calcula-se que, para cada dólar doado ao PT, as empresas ganharam entre
15 e 30 em contratos.)
As próprias obras constituíram um caso flagrante de delírio messiânico e
fantástica irresponsabilidade. Houve doze estádios preparados para a
Copa, quando bastavam oito, conforme advertiu a própria FIFA. O
planejamento foi tão negligente que a metade das obras de infraestrutura
urbana e de transporte acabou cancelada ou somente será¡ concluída agora
que a Copa terminou. Não é de estranhar-se, pois, que a insatisfação
popular diante de tanto desperdício de recurso público (esbanjamento
praticado para ter uma publicidade eleitoreira), tenha levado milhares
de brasileiros às ruas em agitações por todo o Brasil!
As cifras que os organismos internacionais (como o Banco Mundial) dão,
neste momento, acerca do futuro imediato do Brasil são por demais
alarmantes. Calcula-se que, para este ano de 2014, a economia brasileira
terá o crescimento de um modesto 1,5%. Ou seja, terá uma redução de meio
ponto sobre o índice dos últimos dois anos, período em que apenas raspou
nos 2%. As perspectivas de investimento privado para este ano são muito
escassas, isso pela desconfiança surgida: apostou-se num modelo que se
acreditava original, mas que se revelou nada mais do que uma perigosa
aliança de populismo com mercantilismo. A desconfiança vem igualmente da
teia burocrática e intervencionista que asfixia a atividade empresarial,
além de propagar as práticas mafiosas.
No entanto, mesmo diante desse horizonte tão preocupante, a máquina
pública segue crescendo sem moderação - já consome 40% do produto
interno bruto. O governo multiplica os impostos à guisa de "correções"
do mercado, fazendo aumentar a insegurança dos empresários e dos
investidores. Contudo, apesar disso, conforme as pesquisas, Dilma deverá
vencer as próximas eleições; e seguirá governando inspirada nas
realizações e sucessos de Lula da Silva.
Se for assim, o povo brasileiro não apenas estará provocando sua própria
ruína, mas também (mais cedo que tarde) descobrirá que o mito em que
está baseado o modelo brasileiro é uma ficção tão desprovida de
seriedade quanto a sua seleção de futebol que foi aniquilada pela
Alemanha. Descobrirá que é bem mais difícil reconstruir um país do que
destruí-lo. O povo descobrirá, ainda, que em todos estes anos - primeiro
com Lula, depois com Dilma - esteve vivendo uma mentira pela qual
pagarão os seus filhos e netos, quando eles tiverem que começar a
reedificar, desde a raiz, uma sociedade vitimada por essas políticas e
afundada ainda mais no subdesenvolvimento. É verdade que o Brasil foi um
gigante que começava a despertar naqueles anos em que foi governado por
Fernando Henrique Cardoso, que pôs as finanças do país em ordem,
estabilizou a moeda nacional e estabeleceu as bases de uma verdadeira
democracia, delineando uma genuína economia de mercado. Porém, os seus
sucessores, em vez de manter e aprofundar aquelas reformas, preferiram
desfazê-las, obrigando o país a regressar a velhas práticas degradantes.
Não apenas os brasileiros embarcaram na fantasia fabricada por Lula da
Silva, mas também o resto dos latino-americanos. Porque a política
exterior do Brasil, em todos esses anos, foi de cumplicidade e apoio
descarado à política venezuelana do comandante Chaves e de Nicolás
maduro; e de uma vergonhosa "neutralidade" ante o regime cubano. Assim,
perante os organismos internacionais, o Brasil negou toda forma de apoio
aos corajosos dissidentes que, nos dois países, lutam por restaurar a
democracia e recuperar a liberdade. Ao mesmo tempo, porém, os governos
populistas de Evo Morales, na Bolívia; do comandante Ortega, na
Nicarágua, e de Correa, no Equador - as mais viciadas formas de "governo
representativo" em toda a América Latina -, receberam do Brasil o mais
ativo aval.
Por isso, quanto mais rápido caia a máscara deste suposto gigante em que
se converteu o Brasil pelas mãos de Lula, tanto melhor para os
brasileiros. O mito da seleção canarinho fazia-nos sonhar belíssimos
sonhos. Todavia, tanto no futebol quanto na política é mau viver
sonhando, sendo sempre preferível, por amarga que seja, enfrentar a
verdade.


 

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