MENTIRAS QUE CUSTAM CARO - Vargas Llosa
MENTIRAS QUE CUSTAM CARO (Vargas Llosa), publicado no jornal
“O Estado de São Paulo”.
UM ESTRANGEIRO - não é petista nem tucano - FALA DO BRASIL
Talvez o maior escritor latino-americano vivo, o peruano
Mario Vargas
Llosa (Nobel em literatura em 2010) escreveu sobre o Brasil
para um
jornal argentino. Profundo conhecedor de nossas raízes, é
autor de uma
obra-prima literária, "A GUERRA DO FIM DO MUNDO",
romance histórico em
que retrata a saga de Canudos e de Antônio Conselheiro. O
texto é leve,
e interessante a sua opinião: quem olha de fora não está
afetivamente
ligado a nenhuma bandeira partidária, o que favorece a
imparcialidade.
Leia aqui a tradução do espanhol.
ARTIGO DE VARGAS LLOSA:
MENTIRAS QUE CUSTAM CARO
A DERROTA DO BRASIL, ESPELHO DE UM PAÍS EM APUROS
Por Mario Vargas Llosa | Para LA NACION
MADRID.- Senti muita pena da catastrófica derrota do Brasil
para a
Alemanha na semifinal da Copa do Mundo, mas confesso que não
chegou a
ser uma surpresa. Faz algum tempo que a famosa seleção
canarinho já não
é mais a mesma, hoje bem diferente da mítica esquadra
brasileira que
deslumbrou minha juventude, impressão que se confirmou para
mim já nas
primeiras partidas deste campeonato mundial. A equipe
brasileira deixou
uma imagem muito negativa: fazia esforços desesperados para
não ser o
que foi no passado, tratando de jogar um futebol de fria
eficiência, nos
moldes europeus.
Nada funcionava direito; havia algo forçado, artificial,
antinatural
nesse esforço, que se traduzia num rendimento sem inspiração
de todo o
grupo, inclusive de sua principal estrela, Neimar. Todos os
jogadores
pareciam amarrados. O velho estilo - de um Pelé, Sócrates,
Garrincha,
Tostão, Zico - seduzia porque estimulava o triunfo e a
criatividade de
cada um, disso resultando que a equipe brasileira, além de
fazer gols
(eficácia), também oferecia um espetáculo soberbo, no qual o
futebol era
mais do que esporte, convertendo-se em arte: coreografia,
dança, circo,
balé.
A crônica esportiva encheu de impropérios Luiz Felipe
Scolari (treinador
brasileiro), responsabilizando-o pela humilhante derrota,
alegando que
ele impôs à seleção um sistema de jogo coletivo que traiu
uma tradição
de excelência, impedindo a brilhatura e iniciativa
individuais, antes
inseparáveis de sua eficácia, transformando os jogadores em
simples
peças de uma estratégia, quase autômatos. No entanto,
acredito eu que a
culpa de Scolari não é exclusivamente sua; antes, é, talvez,
uma
manifestação - no âmbito esportivo - de um fenômeno que, já
faz algum
tempo, representa TODO O BRASIL, qual seja, viver uma ficção
que é
brutalmente desmentida por uma realidade profunda.
Tudo começa com o governo de Lula da Silva (2003-2010), o
qual, conforme
um mito universalmente aceito, "deu o impulso decisivo
ao
desenvolvimento econômico do Brasil, assim despertando o
gigante
adormecido e o encaminhando na direção das grandes
potências". As
estatísticas formidáveis fornecidas pelo Instituto
Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) eram aceitas por todos: no
período, o
número de pobres baixou de 49 para 16 milhões; e a classe
média aumentou
de 66 para 113 milhares. Não é de se estranhar que, com tais
credenciais, Dilma Rousseff (companheira e discípula de
Lula) haja
vencido as eleições com tanta facilidade. Porém, agora que
Dilma
pretende reeleger-se e a verdade sobre a economia brasileira
parece
tomar o lugar do mito, muitos a estão responsabilizando pelo
declínio
veloz da economia e, ainda, pedem um regresso ao
"lulismo", isto é, ao
governo que semeou, com suas políticas mercantilistas e
corruptas, as
sementes da catástrofe.
A verdade é que não houve nenhum milagre naqueles anos. O
que houve,
sim, foi uma grande fantasia, que somente agora começa a ser
desmascarada, exatamente como ocorreu com o futebol
brasileiro. Ora, a
política populista que Lula pôs em prática durante seus
mandatos acabou
produzindo a ilusão de progresso social e econômico que não
passou de
fugaz pirotecnia. O endividamento que financiava os custosos
programas
sociais era, com grande frequência, uma cortina de fumaça
para a
corrupção que levou muitos ministros e altos funcionários -
daqueles
anos e de agora também - para a cadeia ou ao banco dos réus.
As ligações
mercantilistas entre governo e empresas privadas
enriqueceram um
considerável número de agentes políticos e de empresários,
mas criaram
um sistema tão diabolicamente burocrático que acabou
incentivando a
corrupção e enfraquecendo os investimentos. Por outro lado,
o Estado se
meteu muitas vezes em faraônicas e irresponsáveis operações
como, por
exemplo, os enormes gastos com a Copa.
O governo brasileiro disse que não haveria dinheiro público
nos 13
bilhões que seriam investidos na organização da Copa. ERA
MENTIRA! O
BNDS (Banco Brasileiro de Desenvolvimento) financiou quase
todas as
empresas que "ganharam" as obras de
infraestrutura. E TODAS essas
empresas subsidiam o Partido dos Trabalhadores, atualmente
no poder.
(Calcula-se que, para cada dólar doado ao PT, as empresas
ganharam entre
15 e 30 em contratos.)
As próprias obras constituíram um caso flagrante de delírio
messiânico e
fantástica irresponsabilidade. Houve doze estádios
preparados para a
Copa, quando bastavam oito, conforme advertiu a própria
FIFA. O
planejamento foi tão negligente que a metade das obras de
infraestrutura
urbana e de transporte acabou cancelada ou somente será¡
concluída agora
que a Copa terminou. Não é de estranhar-se, pois, que a
insatisfação
popular diante de tanto desperdício de recurso público
(esbanjamento
praticado para ter uma publicidade eleitoreira), tenha
levado milhares
de brasileiros às ruas em agitações por todo o Brasil!
As cifras que os organismos internacionais (como o Banco
Mundial) dão,
neste momento, acerca do futuro imediato do Brasil são por
demais
alarmantes. Calcula-se que, para este ano de 2014, a
economia brasileira
terá o crescimento de um modesto 1,5%. Ou seja, terá uma
redução de meio
ponto sobre o índice dos últimos dois anos, período em que
apenas raspou
nos 2%. As perspectivas de investimento privado para este
ano são muito
escassas, isso pela desconfiança surgida: apostou-se num
modelo que se
acreditava original, mas que se revelou nada mais do que uma
perigosa
aliança de populismo com mercantilismo. A desconfiança vem
igualmente da
teia burocrática e intervencionista que asfixia a atividade
empresarial,
além de propagar as práticas mafiosas.
No entanto, mesmo diante desse horizonte tão preocupante, a
máquina
pública segue crescendo sem moderação - já consome 40% do
produto
interno bruto. O governo multiplica os impostos à guisa de
"correções"
do mercado, fazendo aumentar a insegurança dos empresários e
dos
investidores. Contudo, apesar disso, conforme as pesquisas,
Dilma deverá
vencer as próximas eleições; e seguirá governando inspirada
nas
realizações e sucessos de Lula da Silva.
Se for assim, o povo brasileiro não apenas estará provocando
sua própria
ruína, mas também (mais cedo que tarde) descobrirá que o
mito em que
está baseado o modelo brasileiro é uma ficção tão desprovida
de
seriedade quanto a sua seleção de futebol que foi aniquilada
pela
Alemanha. Descobrirá que é bem mais difícil reconstruir um
país do que
destruí-lo. O povo descobrirá, ainda, que em todos estes
anos - primeiro
com Lula, depois com Dilma - esteve vivendo uma mentira pela
qual
pagarão os seus filhos e netos, quando eles tiverem que
começar a
reedificar, desde a raiz, uma sociedade vitimada por essas
políticas e
afundada ainda mais no subdesenvolvimento. É verdade que o
Brasil foi um
gigante que começava a despertar naqueles anos em que foi
governado por
Fernando Henrique Cardoso, que pôs as finanças do país em
ordem,
estabilizou a moeda nacional e estabeleceu as bases de uma
verdadeira
democracia, delineando uma genuína economia de mercado.
Porém, os seus
sucessores, em vez de manter e aprofundar aquelas reformas,
preferiram
desfazê-las, obrigando o país a regressar a velhas práticas
degradantes.
Não apenas os brasileiros embarcaram na fantasia fabricada
por Lula da
Silva, mas também o resto dos latino-americanos. Porque a
política
exterior do Brasil, em todos esses anos, foi de cumplicidade
e apoio
descarado à política venezuelana do comandante Chaves e de
Nicolás
maduro; e de uma vergonhosa "neutralidade" ante o
regime cubano. Assim,
perante os organismos internacionais, o Brasil negou toda
forma de apoio
aos corajosos dissidentes que, nos dois países, lutam por
restaurar a
democracia e recuperar a liberdade. Ao mesmo tempo, porém,
os governos
populistas de Evo Morales, na Bolívia; do comandante Ortega,
na
Nicarágua, e de Correa, no Equador - as mais viciadas formas
de "governo
representativo" em toda a América Latina -, receberam
do Brasil o mais
ativo aval.
Por isso, quanto mais rápido caia a máscara deste suposto
gigante em que
se converteu o Brasil pelas mãos de Lula, tanto melhor para
os
brasileiros. O mito da seleção canarinho fazia-nos sonhar
belíssimos
sonhos. Todavia, tanto no futebol quanto na política é mau
viver
sonhando, sendo sempre preferível, por amarga que seja,
enfrentar a
verdade.
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