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Marco Antonio Villa
O
Estado de São Paulo - 31/12/12
A eleição de Luiz Inácio Lula da
Silva em 2002 foi recebida como um conto de fadas. O País estaria pagando uma
dívida social. E o recebedor era um operário.
Operário que tinha somente uma década
de trabalho fabril, pois aos 28 anos de idade deu adeus, para sempre, à fábrica.
Virou um burocrata sindical. Mesmo assim, de 1972 a 2002 - entre a entrada na
diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e a eleição
presidencial -, portanto, durante 30 anos, usou e abusou do figurino do
operário, trabalhador, sofrido. E pior, encontrou respaldo e legitimação por
parte da intelectualidade tupiniquim, sempre com um sentimento de culpa não
resolvido.
A
posse - parte dos gastos paga pelo esquema do pré-mensalão, de acordo com
depoimento de Marcos Valério ao Ministério Público - foi uma consagração. Logo a fantasia
cedeu lugar à realidade. A mediocridade da gestão era visível. Como a proposta
de governo - chamar de projeto seria um exagero - era inexequível, resolveram
manter a economia no mesmo rumo, o que foi reforçado no momento da alta
internacional no preço das commodities.
Quando veio a crise internacional, no
final de 2008, sem capacidade gerencial e criatividade econômica, abriram o baú
da História, procurando encontrar soluções do século 20 para questões do século
21. O velho Estado reapareceu e distribuiu prebendas aos seus favoritos, a
sempre voraz burguesia de rapina, tão brasileira como a jabuticaba.
Evidentemente que só poderia dar errado. Errado se pensarmos no futuro do País.
Quando se esgotou o ciclo de crescimento mundial - como em tantas outras vezes
nos últimos três séculos -, o governo ficou, como está até hoje, buscando
desesperadamente algum caminho. Sem perder de vista, claro, a eleição de 2014,
pois tudo gira em torno da permanência no poder por mais um longo tempo, como
profetizou recentemente o sentenciado José Dirceu.
Os bancos e as empresas estatais
foram usados como instrumentos de política partidária, em correias de
transmissão, para o que chamou o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal
Federal, de "projeto criminoso de poder", quando do julgamento do mensalão. Os
cargos de direção foram loteados entre as diferentes tendências do Partido dos
Trabalhadores (PT) e o restante foi entregue à saciedade dos partidos da base
aliada no Congresso Nacional. O PT transformou o patrimônio nacional, construído
durante décadas, em moeda para obter recursos partidários e pessoais, como ficou
demonstrado em vários escândalos durante a década.
O PT era considerado uma novidade na
política brasileira. A "novidade" deu vida nova às oligarquias. É muito difícil
encontrar nos últimos 50 anos um período tão longo de poder em que os velhos
oligarcas tiveram tanto poder como agora. Usaram e abusaram dos recursos
públicos e transformaram seus Estados em domínios familiares perpétuos. Esse
congelamento da política é o maior obstáculo ao crescimento econômico e ao
enfrentamento dos problemas sociais tão conhecidos de todos.
Não será tarefa fácil retirar o PT do
poder. Foi criado um sólido bloco de sustentação que - enquanto a economia
permitir - satisfaz
o topo e a base da pirâmide. Na base, com os programas
assistenciais que petrificam a miséria, mas garantem apoio político e algum tipo
de satisfação econômica aos que vivem na pobreza absoluta. No topo, atendendo ao
grande capital com uma política de cofres abertos, em que tudo pode, basta ser
amigo do rei - a rainha é secundária.
A incapacidade da oposição de cumprir
o seu papel facilitou em muito o domínio petista. Deu até um grau de eficiência
política que o PT nunca teve. E o ano de 2005 foi o ponto de inflexão, quando a
oposição, em meio ao escândalo do mensalão, e com a popularidade de Lula
atingindo seu nível mais baixo, se omitiu, temendo perturbar a "paz social". Seu
principal líder, Fernando Henrique Cardoso, disse que Lula já estava derrotado e
bastaria levá-lo nas cordas até o ano seguinte para vencê-lo facilmente nas
urnas. Como de hábito, a análise estava absolutamente equivocada. E a tragédia
que vivemos é, em grande parte, devida a esse grave erro de 2005. Mas, apesar da
oposição digna de uma ópera-bufa, os eleitores nunca deram ao PT, nas eleições
presidenciais, uma vitória no primeiro turno.
O
PT não esconde o que deseja. Sua direção partidária já ordenou
aos milicianos que devem concentrar os seus ataques na imprensa e no Poder
Judiciário. São os únicos obstáculos que ainda encontram pelo caminho. E até com
ameaças diretas, como a feita na mensagem natalina - natalina, leitores! - de
Gilberto Carvalho - ex-seminarista, registre-se - de que "o bicho vai pegar".
A
tarefa para 2013 é impor na agenda política o controle social da mídia e do
Judiciário. Sabem que não será tarefa fácil, porém a simples ameaça
pode-se transformar em instrumento de coação. O PT tem ódio das liberdades
democráticas. Sabe que elas são o único obstáculo para o seu "projeto
histórico". E eles não vão perdoar jamais que a direção petista de 2002 esteja
hoje condenada à cadeia.
A década petista terminou. E nada
melhor para ilustrar o fracasso do que o crescimento do produto interno bruto
(PIB) de 1%. Foi uma década perdida. Não para os petistas e seus acólitos,
claro. Estes enriqueceram, buscaram algum refinamento material e até ficaram
"chiques", como a Rosemary Nóvoa de Noronha, sua melhor tradução. Mas o Brasil
perdeu.
Poderíamos ter avançado melhorando a
gestão pública e enfrentado com eficiência os nossos velhos problemas sociais,
aqueles que os marqueteiros exploram a cada dois anos nos períodos eleitorais.
Quase nada foi feito - basta citar a tragédia do saneamento básico ou os milhões
de analfabetos.
Mas se estagnamos, outros países
avançaram. E o Brasil continua a ser, como dizia Monteiro Lobato, "essa coisa
inerme e enorme".
MARCO ANTONIO VILLA É HISTORIADOR E
PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (UFCAR)
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