Vergonha
Que me perdoem os ávidos telespectadores do Big Brother Brasil
(BBB), produzido e organizado pela nossa distinta Rede Globo, mas
conseguimos chegar ao fundo do poço. A décima (está indo longe)
edição do BBB é uma síntese do que há de pior na TV brasileira.
Chega a ser difícil encontrar as palavras adequadas para qualificar
tamanho atentado à nossa modesta inteligência.
Dizem que Roma, um dos maiores impérios que o mundo conheceu, teve
seu fim marcado pela depravação dos valores morais do seu povo,
principalmente pela banalização do sexo. O BBB 10 é a pura e suprema
banalização do sexo.
Impossível assistir ver este programa ao lado dos filhos. Gays,
lésbicas, heteros...todos na mesma casa, a casa dos “heróis”, como
são chamados por Pedro Bial. Não tenho nada contra gays, acho que
cada um faz da vida o que quer, mas sou contra safadeza ao vivo na
TV, seja entre homossexuais ou heterossexuais. O BBB 10 é a
realidade em busca do IBOPE.
Veja como Pedro Bial tratou os participantes do BBB 10. Ele prometeu
um “zoológico humano divertido” . Não sei se será divertido, mas
parece bem variado na sua mistura de clichês e figuras típicas.
Se entendi corretamente as apresentações, são 15 os “animais” do
“zoológico”: o judeu tarado, o gay afeminado, a dentista gostosa, o
negro com suingue, a nerd tímida, a gostosa com bundão, a “não sou
piranha mas não sou santa”, o modelo Mr. Maringá, a lésbica
convicta, a DJ intelectual, o carioca marrento, o maquiador
drag-queen e a PM que gosta de apanhar (essa é para acabar!!!).
Pergunto-me, por exemplo, como um jornalista, documentarista e
escritor como Pedro Bial que, faça-se justiça, cobriu a Queda do
Muro de Berlim, se submete a ser apresentador de um programa desse
nível. Em um e-mail que recebi há pouco tempo, Bial escreve
maravilhosamente bem sobre a perda do humorista Bussunda
referindo-se à pena de se morrer tão cedo. Eu gostaria de perguntar
se ele não pensa que esse programa é a morte da cultura, de valores
e princípios, da moral, da ética e da dignidade.
Outro dia, durante o intervalo de uma programação da Globo, um outro
repórter acéfalo do BBB disse que, para ganhar o prêmio de um milhão
e meio de reais, um Big Brother tem um caminho árduo pela frente,
chamando-os de heróis. Caminho árduo? Heróis? São esses nossos
exemplos de heróis? Caminho árduo para mim é aquele percorrido por
milhões de brasileiros, profissionais da saúde, professores da rede
pública (aliás, todos os professores) , carteiros, lixeiros e tantos
outros trabalhadores incansáveis que, diariamente, passam horas
exercendo suas funções com dedicação, competência e amor e quase
sempre são mal remunerados.
Heróis são milhares de brasileiros que sequer tem um prato de comida
por dia e um colchão decente para dormir, e conseguem sobreviver a
isso todo santo dia.
Heróis são crianças e adultos que lutam contra doenças
complicadíssimas porque não tiveram chance de ter uma vida mais
saudável e digna. Heróis são inúmeras pessoas, entidades sociais e
beneficentes, Ongs, voluntários, igrejas e hospitais que se dedicam
ao cuidado de carentes, doentes e necessitados (vamos lembrar de
nossa eterna heroína Zilda Arns).
Heróis são aqueles que, apesar de ganharem um salário mínimo, pagam
suas contas, restando apenas dezesseis reais para alimentação, como
mostrado em outra reportagem apresentada meses atrás pela própria
Rede Globo.
O Big Brother Brasil não é um programa cultural, nem educativo, não
acrescenta informações e conhecimentos intelectuais aos
telespectadores, nem aos participantes, e não há qualquer outro
estímulo como, por exemplo, o incentivo ao esporte, à música, à
criatividade ou ao ensino de conceitos como valor, ética, trabalho e
moral. São apenas pessoas que se prestam a comer, beber, tomar sol,
fofocar, dormir e agir estupidamente para que, ao final do programa,
o “escolhido” receba um milhão e meio de reais. E ai vem algum
psicólogo de vanguarda e me diz que o BBB ajuda a "entender o
comportamento humano". Ah, tenha dó!!!
Veja o que está por de tra$$$$$$$$$ $$$$$$$ do BBB: José Neumani da
Rádio Jovem Pan, fez um cálculo de que se vinte e nove milhões de
pessoas ligarem a cada paredão, com o custo da ligação a trinta
centavos, a Rede Globo e a Telefônica arrecadam oito milhões e
setecentos mil reais. Eu vou repetir: oito milhões e setecentos mil
reais a cada paredão.
Já imaginaram quanto poderia ser feito com essa quantia se fosse
dedicada a programas de inclusão social, moradia, alimentação,
ensino e saúde de muitos brasileiros? (Poderia ser feito mais de 520
casas populares; ou comprar mais de 5.000 computadores)
Essas palavras não são de revolta ou protesto, mas de vergonha e
indignação, por ver tamanha aberração ter milhões de
telespectadores. Em vez de assistir ao BBB, que tal ler um livro, um
poema de Mário Quintana ou de Neruda ou qualquer outra coisa..., ir
ao cinema..., estudar... , ouvir boa música..., cuidar das flores e
jardins... , telefonar para um amigo... , ·visitar os avós... ,
pescar..., brincar com as crianças... , namorar... ou simplesmente
dormir. Assistir ao BBB é ajudar a Globo a ganhar rios de dinheiro e
destruir o que ainda resta dos valores sobre os quais foi construído
nossa sociedade.
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/Esta crônica está sendo divulgada pela internet a milhões de e-mails./
*/Luis Fernando Veríssimo /*/
É cronista e escritor brasileiro/
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