quinta-feira, 15 de abril de 2010

MONTESE, 14 DE ABRIL DE 1945




Montese, 14 de abril
15 de abril de 2010, em História, por Guilherme Poggio

Sérgio Paulo Muniz Costa (*)

Havia uma tropa que não distribuía a comida que sobrava nem queimava o excedente para evitar contaminações: a do Brasil

No momento em que o Estado brasileiro ainda debate sobre o cumprimento de um acordo diplomático de extradição com a Itália, a respeito do senhor Cesare Battisti, é oportuno destacar que ontem, dia 14 de abril, completaram-se 65 anos daquela que pode ser considerada a maior vitória da 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária nos campos de batalha da Itália.

Montese foi o pontapé nas dobradiças que ajudou o 4º Corpo de Exército norte-americano a arrombar uma porta da linha Gêngis-Khan, a última linha defensiva germânica.

Foi a primeira grande vitória obtida exclusivamente pelos brasileiros, da maneira brasileira, com a participação de batalhões dos três grandes e tradicionais regimentos de infantaria originalmente sediados nos Estados de São Paulo (o 6º), Minas Gerais (11º) e Rio de Janeiro (1º).

A manobra continha a ideia da moderna infiltração, hoje familiar à nossa infantaria, e o êxito em muito se deveu à ação audaciosa do pelotão do tenente Iporã Nunes de Oliveira, do 11º RI, de Minas Gerais.

Surpreende constatar que a passagem das tropas brasileiras no norte da Itália está nítida na paisagem e nas pessoas da região da Emilia-Romanha. Monumentos de eloquente singeleza feitos pelas municipalidades locais despertam emoção em quem lê os agradecimentos pela participação brasileira na luta pela liberdade e pela democracia.

Préstimos e sorrisos se abrem a quem pede informações sobre os locais por onde passaram os brasileiros, e se apontam as alturas onde lutaram “i soldati brasiliani”.

O monumento brasileiro no sopé de Monte Castelo está no lugar certo.

Não é preciso conhecer a história ou a ciência militar nem ler o texto correto que ali se encontra, castigado pela neve e pelo vento gelado, para pressentir o campo de batalha, onde honra e sacrifício arrostaram as metralhadoras e morteiros alemães.

Dali, voltando o olhar para o sul, pode-se perceber a famosa estrada 64 serpenteando ao lado do Reno na direção de Pistoia, por onde fluíam para a luta os suprimentos e reforços e refluíam os feridos e mortos.

O monumento votivo militar brasileiro em Pistoia é um lugar de paz, ao lado do pequeno cemitério que a comunidade resolveu limitar para dar lugar aos mortos brasileiros que ali repousaram. O pároco local, percebendo brasileiros, apressa-se em lhes entregar lembranças e folhetos do monumento.

O que ficou em todos esses locais por onde passaram as tropas brasileiras? Por que essa memória dos brasileiros, que nem maioria eram naquela Babel de tropas aliadas?

Os números da FEB, segundo padrões brasileiros, impressionam até hoje -cerca de 25 mil homens e mulheres-, mas não eram predominantes. A dimensão do esforço e dos feitos da divisão de infantaria da FEB parece ainda não ter sido notada pelos historiadores brasileiros. Assim, não é de se esperar que o seja por estrangeiros.

Uma pista veio da curiosidade de um adido militar brasileiro, impressionado com a disposição de um italiano em ceder o terreno para acolher um monumento brasileiro.

O proprietário, percebendo a pergunta não feita, antecipou-lhe a resposta: “Nós não esquecemos”. Havia uma tropa que não distribuía a comida que sobrava nem queimava o excedente para evitar contaminações.

Ela dividia sua comida com os habitantes e as crianças entravam na fila antes dos soldados. Eram os brasileiros.

Após a rendição alemã, o Brasil declinou do oferecimento de um setor de ocupação aliado na Áustria. Fez bem. Das guerras, o país ficou apenas com lembranças, e, se andou pelo lado certo da história, muito deve à cordialidade, seu traço cultural distintivo.

Mas não foi só isso. Uma sensata tradição diplomática de respeito ao direito internacional deu-lhe credibilidade, um patrimônio a ser preservado com a atuação equilibrada do governo brasileiro nos grandes temas da política internacional.

O que, no caso da extradição com a Itália, recomenda o afastamento de qualquer decisão política que ameace a amizade e o reconhecimento dos italianos a tudo aquilo que o Brasil lá deixou em prol dos direitos dos povos.

As lembranças de guerra do Brasil estão vivas no bom combate que travou na luta pela paz. Preservemo-las.

(*)SÉRGIO PAULO MUNIZ COSTA é historiador. Foi delegado do Brasil na Junta Interamericana de Defesa, órgão de assessoria da OEA (Organização dos Estados Americanos) para assuntos de segurança hemisférica.


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