terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

E SEGUEM OS TRABALHOS - DOCA RAMOS MELLO

...E seguem os trabalhos!


Com o samba na ponta da língua, a Unidos da Sofisticada Organização Criminosa já está distribuindo o panfleto que explica o enredo e a evolução da escola para este ano na passarela – só não conta as tramóias porque isso é coisa da diretoria, segredo de Estado.

Começão de Frente: é isso mesmo, a escola não tem comissão, mas começão no sentido de apetite, comilança de tudo quanto é tipo (eles são meio ignorantes, daí a invenção do termo, mas para quem fala “menas”, começão é bico), porque a escola está comendo o kipuburruá pelo rabo e pretende não deixar nem os ossos de fora desse rega-bofe. A começão, pois, vem com todos os presidentes estaduais dos núcleos que a escola mantém em Kizumba-lelê, o país das maracutaias. A fantasia deles traz uma imensa máscara vermelha toda bordada com falsas promessas, estrelas e rios de dinheiro no bolso. Os integrantes desfilam com a boca escancarada cheia de dentes (pobre Raul...), cuecas sobre as calças e meias largas carregadas de propina, digo serpentina. O carro abre-alas vem logo a seguir com o logotipo da agremiação, uma manopla de quatro dedos.

Ala Bolsa-Família: precedida do carro alegórico “Nóis segura a onda do Cabra, nóis tem a bolsa”, cujo destaque são falsos operários de macacão, capacetes dourados e língua presa (por isso não cantam o samba, só fazem movimentos com a boca, de forma a enganar os jurados), é ala badalada e sua fantasia sai dos bolsos da tribo kipovuburruá, que paga o estilista, a costureira, o pano, a linha e outras cositas mais... São milhares de componentes que desfilam a soldo, carregando como alegoria uma tabela de pesquisa que mostra a aprovação popular do samba de Inacinho Nove Dedos de Garanhuns, como forma de induzir o juri a dar o tricampeonato para a agremiação.

Rainha da Bateria: é Lady Dil, a guerreira Companhêra Karadekatraia, que vem com tudo, isto é, grosserias, mentiras, sequestros, assaltos, roubos, falsos diplomas, pedantismo, campanha fora de hora, arrogância e agendas, fantasiada de Mãe do PAC, maquiada para parecer Luma de Oliveira e iludir o kipovuburruá, que vai estar nas arquibancadas tomando chuva, como sempre. Um caminhão de cristais russos vai lhe cobrir a cara, o corpo e os dentes de coelho, para que ninguém reconheça nela a bonequinha terrorista dos anos 60. Karadekatraia quer dominar a nação kipovuburruá e tem muita gente apostando que só mesmo para conquistar o posto de rainha da bateria é que tem engolido o cacique Sapukururu Barbudo Sentado no Trono e suas metáforas horrorosas. “Tudo por esse cocar”, raciocina prática.

Bateria: os ritmistas entram na passarela, fantasiados de Francenildo, O Caseiro Humilhado. Trata-se de uma sátira, deboche do compositor Palofinho da Mary Jane, um dos autores do samba, que idealizou, ele próprio, uma roupa especial toda recoberta com contas da Caixa Econômica bordadas com paetês vermelhos. E furadas bem na parte do saldo bancário.

Ala dos Baianos: Só mesmo o carro alegórico é certeza até agora, e vem com o tema “Ministro, compositor e trovador”. Espera-se que Gilberto Gil puxe o cordão, mas a escola depende do ainda aval de dona Flora, a mão de ferro, habituada a dar ordens e ser obedecida. Se ela cismar que não, ou não lhe agradar o cachê, babau, o trovador não aparece no desfile...

Ala Minha Voz continua a Mesma, mas os Meus Cabelos...ah!: sob o comando do sambista ZéDedo Leve do Mensalão, que vem com arrogância e cheio de mando, dando ordens e distribuindo grana para a escola levar o título. Consta que já subornou muita gente e que, se derem chance, bota o dedo nos envelopes dos jurados e manipula os resultados. ZéDedo se autoescalou para ser o destaque do carro alegórico “Eminência pouco parda com dois nomes e algumas plásticas”, com a fantasia “Sou Dirceu, o kipovuburruá é meu, só O Cara ainda não percebeu, aqui mando eu”. Que por sinal custou uma baba e alguns charutos cubanos.

Ala Ave, Ciro!: todos os integrantes usam máscara com a cara do arauto de Sobral e não cantam o samba com a letra oficial porque o coordenador da ala tem outra visão da passarela, do samba, da evolução, do enredo, do carnaval, da letra, da melodia, de tudo, enfim. Discorda, inclusive, da escolha da rainha da bateria – considera-a ruim de molejo e doente do pé. É praticamente uma sub-escola dentro da escola e os sambistas desfilam entalados na garganta da diretoria. Destaque de chão, o coordenador entra na passarela com um traje metade Napoleão, metade Virgolino Lampião, batizado de “Eu sou o máximo”, e sua alegoria atende pelo nome de Patrícia.

Porta-Bandeira e Mestre-Sala: a dançarina Ângela Guadagnin deixa o recesso em que se meteu depois de sua última apresentação do solo Dança da Pizza no Plenário, para carregar o pavilhão vermelho pobre, ao lado do também desaparecido Gushiken, grande mestre-sala (quarto, cozinha, banheiro...) dos fundos de pensão. O casal vem com a fantasia “Doces Ditadores, ah, que delícia de esquerda!”, uma releitura do traje militar de Fidel Castro.

Ala Direitos Humanos contra a Liberdade de Imprensa: os integrantes desfilam logo depois do carro alegórico “Aê, Franklin, tá bom p’ro cê, p’ro povo tá ruim, então vai ficar assim”, todos de boca costurada, de sorte que ninguém canta porque quem canta seus males não espanta e ainda pode ser enquadrado e pegar um xilindró forte.

Ala Vacas de Presépio: maior em número de componentes, traz a tribo kipovuburruá representada por desdentados, analfabetos, miseráveis, portadores de vermes, burros, intelectuais entediados, imbecis, mendigos, pedintes, ingênuos, inocentes úteis, desprotegidos, doentes, assaltados, esfomeados, etc. Eles vêm logo após o carro “Massa de manobra em paetês de paz e miçangas de amor, ai que loucura!”. No desfile, repetem o mantra com o qual os adestrou a diretoria e que diz “nunca antes neste país”, mas que eles não sabem o que significa. Desfilam sempre de braços levantados, como se estivessem votando alguma coisa sob comando de greve, mas também não entendem a razão disso.
DOCA publicou esta crôncia em: http://www.papolivre.com.br

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