VISÃO MÍOPE - ADRIANO PIRES
Visão míope
A discussão da autossuficiência energética no Brasil tem se limitado à
questão do petróleo e dos combustíveis fósseis. De fato, a estagnação da
produção da Petrobras, a insuficiente capacidade de refino num cenário de
consumo crescente, vem fazendo com que o volume de importações seja cada vez
maior, sendo responsável por parte significativa da deterioração das contas
externas e dos maus resultados da estatal. No entanto, essa discussão deveria
ter um caráter mais abrangente, uma vez que o Brasil possui uma grande
diversidade de fontes energéticas, capazes de garantir a autossuficiência
energética e a segurança de abastecimento, fatores fundamentais para um país que
deseja ter um papel preponderante na cena internacional.
Nesse sentido, tanto o gás natural quanto o etanol têm apresentado uma
participação na matriz energética brasileira muito abaixo dos seus potenciais.
Isso é consequência de uma visão míope por parte do governo, que não leva em
consideração as características desses dois combustíveis em relação aos demais,
principalmente, no que se refere ao meio ambiente.
O monopólio da Petrobras tem sido prejudicial ao crescimento do gás na matriz
energética. Na realidade, a estatal sempre considerou o gás como subproduto do
petróleo, focando suas campanhas exploratórias na descoberta de petróleo na
plataforma continental. Com o sucesso das descobertas de petróleo e gás
associado no mar criou-se a ideia de que o Brasil não tem petróleo e gás em
terra. Quando a verdade está no fato de que quase não se furou em terra no
Brasil. Assim, têm-se adiado a descoberta e a produção de um gás natural mais
barato, quer pela ausência de leilões onshore contínuos, quer pela
ausência de uma legislação e regulação específicas que diferenciem a exploração
do mar e da terra.
A ideia de que não existe gás em terra já foi contrariada pela descoberta de
pelo menos três bacias: Bacia do Solimões, Bacia do Parnaíba e Bacia do São
Francisco. Na Bacia do Parnaíba, já se descobriram reservas com mais de 30
bilhões de m³ de gás natural, dos quais mais de 7 bilhões de m³ já são provados
na Agência Nacional do Petróleo (ANP). Em relação à Bacia do São Francisco, que
tem potencial para mudar o mercado brasileiro de gás, devido à proximidade com
os centros consumidores, a campanha exploratória já notificou mais de 16
descobertas de hidrocarbonetos, desde 2005.
O monopólio da Petrobras tem sido prejudicial ao crescimento do gás
na matriz energética
No entanto, as médias empresas que estão à frente desses projetos esbarram na
falta de tecnologia, capital e infraestrutura para levar esse gás ao mercado. O
seu aproveitamento parcial vem se dando por meio da instalação de usinas
termoelétricas na “boca do poço”, deixando-se de lado usos mais nobres como a
cogeração e o consumo na indústria.
No caso do etanol, que antes do pré-sal era visto como estratégico, perdeu
competitividade por conta da política de preços subsidiados da gasolina e pelo
fim da Cide. A baixa competitividade do etanol fez com que os consumidores
optassem pela gasolina, fazendo com que as vendas do derivado disparassem,
enquanto as do biocombustível se reduziram nos últimos anos. Com a redução da
demanda, as empresas se viram em dificuldades financeiras, levando o setor a um
ciclo negativo de falta de investimento, baixa de produtividade e queda de
produção. O resultado é que trocamos o projeto “Arábia Saudita Verde” pelo
projeto de nos tornarmos membro da Organização dos Países Exportadores de
Petróleo (Opep), à semelhança da Venezuela.
Os problemas apontados no gás natural e no etanol afetam as demais fontes de
energia e se refletem na falta de planejamento de longo prazo, abandonado pelo
atual governo. Em vez de definir metas de participação para cada uma das fontes
na matriz energética e estabelecer políticas públicas, baseadas em regras de
mercado, que garantam esse objetivo, o governo opta por eleger o “preferido” da
vez, que é beneficiado e ao mesmo tempo punido com medidas de curto prazo, como
o pré-sal, criando distorções de preços relativos e contribuindo para uma má
alocação de recursos na economia. O Brasil possui enorme vantagem comparativa
quando o assunto é disponibilidade de energia. No entanto, a interferência
governamental desastrosa não permite que essa vantagem comparativa se traduza em
vantagem competitiva e desenvolvimento para o país.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 07/05/2014
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