CARLOS
ALBERTO DI FRANCO - O Estado de S.Paulo
terça-feira, 31 de dezembro de 2013
A LEGALIZAÇÃO DA MACONHA - CARLOS ALBERTO DI FRANCO
O
Uruguai, que já permitia o consumo de maconha, legalizou a produção e a venda
da droga. A nova lei foi aprovada no Senado por 16 votos a 13 e deverá entrar
em vigor no primeiro semestre de 2014. Pela nova legislação, os uruguaios e
estrangeiros que residem no país e têm mais de 18 anos poderão comprar até 40
gramas da erva por mês em farmácias credenciadas pelo governo. Os defensores da
liberação, armados de uma ingenuidade cortante, acreditam que a legalização
reduzirá a ação dos traficantes. Mas ocultam uma premissa essencial no terrível
silogismo da dependência química: a compulsividade. O usuário, por óbvio, não
ficará no limite legal. O tráfico, infelizmente, não vai desaparecer.
A
psiquiatra mexicana Nora Volkow é uma referência na pesquisa da dependência
química no mundo. Foi quem primeiro usou a tomografia para comprovar as
consequências do uso de drogas no cérebro. Desde 2003 na direção do Instituto
Nacional sobre Abuso de Drogas, nos Estados Unidos, Volkow é uma voz
respeitada. No momento em que recrudesce a campanha para a descriminalização
das drogas, suas palavras são uma forte estocada nos argumentos politicamente
corretos.
A
cientista foi entrevistada pela revista Veja, em março de 2010. A revista
trouxe à baila um crime que chocou a sociedade. O cartunista Glauco Villas Boas
e seu filho foram mortos por um jovem com sintomas de esquizofrenia e que usava
constantemente maconha e dimetiltriptamina (DMT), na forma de um chá conhecido
como Santo Daime. "Que efeito essas drogas têm sobre um cérebro
esquizofrênico?" A resposta foi clara e direta: "Portadores de
esquizofrenia têm propensão à paranoia, e tanto a maconha quanto a DMT
(presente no chá do Santo Daime) agravam esse sintoma, além de aumentarem a
profundidade e a frequência das alucinações. Drogas que produzem psicoses por
si próprias, como metanfetamina, maconha e LSD, podem piorar a doença mental de
uma forma abrupta e veloz", sublinhou a pesquisadora.
Quer
dizer, a descriminalização das drogas facilitaria o consumo das substâncias.
Aplainado o caminho de acesso às drogas, os portadores de esquizofrenia teriam,
em princípio, maior probabilidade de surtar e, consequentemente, de praticar
crimes e ações antissociais. Ao que tudo indica, foi o que aconteceu com o
jovem assassino do cartunista. A suposição, muito razoável, é um tiro de morte
no discurso da ingenuidade.
Além
disso, a maconha, droga glamourizada pelos defensores da descriminalização, é
frequentemente a porta de entrada para outras drogas. "Há quem veja a
maconha como uma droga inofensiva", diz Nora Volkow. "Trata-se de um
erro. Comprovadamente, a maconha tem efeitos bastante danosos. Ela pode
bloquear receptores neurais muito importantes." Pode, efetivamente, causar
ansiedade, perda de memória, depressão e surtos psicóticos. Não dá para
entender, portanto, o recorrente empenho de descriminalização. Também não serve
o falso argumento de que é preciso evitar a punição do usuário. Nenhum juiz,
hoje em dia, determina a prisão de um jovem por usar maconha. A prisão, quando
ocorre, está ligada à prática de delitos que derivam da dependência química:
roubo, furto, pequeno tráfico, etc. Na maioria dos casos, de acordo com a Lei
n.º 9.099/95, há aplicação de penas alternativas, tais como prestação de
serviços à comunidade e eventuais multas no caso de réu primário.
Caso adotássemos
os princípios defendidos pelos lobistas da liberação, o Brasil estaria
entrando, com o costumeiro atraso, na canoa furada da experiência europeia.
Todos, menos os ingênuos, sabem que, assim como não existe meia gravidez,
também não há meia dependência. É raro encontrar um consumidor ocasional.
Existe, sim, usuário iniciante, mas que muito cedo se transforma em dependente
crônico. Afinal, a compulsão é a principal característica do adicto. Um cigarro
da "inofensiva" maconha preconizada pelos arautos da liberação pode
ser o passaporte para uma overdose de cocaína. Não estou falando de teorias,
mas da realidade cotidiana e dramática de muitos dependentes. Transcrevo, caro
leitor, o depoimento de um dependente químico. Ele fala com a experiência de quem
esteve no fundo do poço.
"Sou
filho único. Talvez porque meus pais não pudessem ter outros filhos, me
cercavam de mimos e realizavam todas as minhas vontades. Aos 12 anos comecei a
fumar maconha, aos 17 comecei a cheirar cocaína. E perdi o controle. Fiz um
tratamento psiquiátrico, fiquei nove meses tomando medicamentos e voltei a
fumar maconha. Nessa época, já cursava medicina e convenci os meus pais de que
a maconha fazia menos mal que o cigarro comum. Meus argumentos estavam
alicerçados em literatura e publicações científicas. Eles mal sabiam que
estavam sendo enganados, pois, além de cheirar, também passei a injetar cocaína
e dolantina, que é um opiáceo. Sofri uma overdose e só não morri porque estava
dentro de um hospital, que é o meu local de trabalho. Após essa fatalidade,
decidi me internar numa comunidade terapêutica e, hoje, graças a Deus, estou
sóbrio. O uso moderado de maconha sempre acabava nas drogas injetáveis. Somente
a sobriedade total, inclusive do álcool, me devolveu a qualidade de vida que
não pretendo trocar nem por uma simples cerveja ou uma dose de uísque."
A.S.N., médico de Ribeirão Preto (SP), é ex-interno da Comunidade Terapêutica
Horto de Deus (www.hortodedeus.org.br).
As drogas
estão matando a juventude. A dependência química não admite discursos ingênuos,
mas ações firmes e investimentos na prevenção e na recuperação de dependentes.
A todos, um feliz Natal!
DOUTOR EM
COMUNICAÇÃO PELA UNIVERSIDADE DE NAVARRA, É DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE
COMUNICAÇÃO DO INSTITUTO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS SOCIAIS E-MAIL: DIFRANCO@IICS.ORG.BR
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