O
SENTIMENTO NACIONAL DE JUSTIÇA E O
MENSALÃO
Aloísio de Toledo
César
A firmeza dos ministros do Supremo Tribunal Federal no
julgamento do mensalão vem ajudando a sepultar em parte a ideia de que o favor
da nomeação para tão alto cargo poderia prevalecer na tomada das decisões. Como
já foi tantas vezes divulgado, os integrantes dessa Corte foram majoritariamente
nomeados pelo ex-presidente Lula, com a participação claríssima de políticos
petistas.
Todos os povos possuem um sentimento nacional de justiça
e em alguns deles isso se deixa transparecer de forma bastante aguda. Há casos
emblemáticos em torno dos quais os povos externam com absoluta certeza o que
esperam da Justiça e o que devem fazer os julgadores. Se a lei e o Direito
indicam ser possível essa conduta, é compreensível que os magistrados julguem
nesse sentido.
No episódio do mensalão ficou evidente que o sentimento
nacional de justiça, envergonhado por condutas tão sórdidas, somente seria
satisfeito com a reparação vertical provinda do Judiciário. Isso começou a
ocorrer de forma surpreendente, de início com os votos seguros e claros do
ministro relator Joaquim Barbosa, que foi seguido por vários outros, sempre na
linha de que os crimes cometidos são de extrema gravidade e merecem
reparação.
Houve duas exceções, infelizmente, envolvendo as
decisões dos ministros Ricardo Lewandowski e Dias Tófoli, ambos vistos como
pessoas com ligações mais fortes com o Partido dos Trabalhadores (PT) e seus
dirigentes, dos quais partiu a ação delitiva. Toffoli foi até mesmo advogado do
PT, o que demonstrava claro impedimento para o
julgamento.
Em verdade, ao proferir o voto com o qual absolveu José
Dirceu da imputação do crime de corrupção ativa, o ministro Dias Toffoli assumiu
claramente a posição de seu advogado. Praticamente se esquecendo de que é
ministro da Suprema Corte e estava julgando um réu, ele começou a defender de
forma enfática a pessoa de José Dirceu. Não chegou a dizer que ele deveria ser
canonizado, mas foi tão contundente nessa defesa que passou a olhar para os
outros ministros, para ver se algum deles o apoiava - e ninguém sequer virou os
olhos
Declarar-se impedido não é feio nem incomum, não diminui
o juiz e se dá com frequência na vida dos tribunais. Se eles se tivessem dado
por impedidos, sem nenhuma dúvida teria sido muito melhor para ambos, porque não
transpareceria na sua conduta a impressão de que estavam divididos entre a
lealdade que devem à Nação e àqueles que os
nomearam.
Em verdade, a sua lealdade deveria ser exclusivamente à
Nação. A clareza do sentimento nacional de justiça, nesse caso tão emblemático,
exigia dos julgadores um comportamento compatível e com a grandeza que a grande
maioria esperava: a condenação exemplar dos
culpados.
Por mais que os dois ministros divergentes possam jurar,
até ao pé da cruz, que a absolvição de José Dirceu e outros decorreu unicamente
de suas convicções jurídicas, será muito difícil encontrar alguém que acredite
nisso. A ideia que prevaleceu é a oposta - e isso é lamentável, por envolver o
mais importante tribunal do País, agora, aliás, fortalecido aos olhos de todos
pelo exemplo do julgamento.
E mais: o fato de absolverem Dirceu e outros, ao
fundamento da inexistência de provas, soa como uma censura aos demais ministros,
os quais as consideraram suficientes. Inferiorizados nessa posição, dado o
maciço predomínio do entendimento em contrário, levarão para as respectivas
biografias um dado sombrio, que teria sido evitado caso optassem por se julgar
impedidos.
No caso particular de Lewandowski, cada vez que, durante
as votações, ele externava os seus argumentos pela absolvição, acabava agindo
como se estivesse a se explicar aos brasileiros por que procedia daquela
maneira. Seus gestos, sua expressão, ao julgar, exprimiam constrangimento, e não
a firmeza dos demais julgadores que optavam pelas
condenações.
Em verdade, quando julga, o magistrado não deve externar
emoção alguma. Conforme deixaram claro o presidente da Corte, Carlos Ayres
Brito, e o ministro Cezar Peluso - este em seu último voto como magistrado -,
não há ódio na decisão que condena, e isso é o que realmente ocorre no cotidiano
de quem julga. Uma expressão absolutamente neutra é a mais compatível para quem
condena ou absolve.
A lealdade aos companheiros constitui traço de caráter
merecedor de admiração nas relações humanas, mas não quando envolve a figura do
juiz, porque este, sendo praticamente um escravo da lei e do Direito, não pode
ficar dividido entre o que a Nação e os amigos dele
esperam.
Enfim, externar lealdade aos companheiros no momento em
que presta a jurisdição serve para demonstrar que o juiz não deveria estar ali a
exercê-la, ou seja, fica aparente até mesmo o erro no ato de quem o escolheu.
Ressalte-se, a propósito, que outros ministros nomeados pelo ex-presidente Lula
exerceram a tarefa de julgar com absoluta independência e se mostraram sensíveis
ao sentimento nacional de justiça nesse processo tão
emblemático.
Será mesmo muito difícil para os brasileiros admitir que
os dois ministros optaram pela absolvição por motivos tão somente jurídicos,
sobretudo porque as suas posições estão em choque com o entendimento da maioria.
Por mais que Lewandowski e Toffoli possam argumentar que manifestaram
exclusivamente um entendimento jurídico divergente, sempre ficará a ideia de que
estavam pagando o favor da nomeação. Isso é péssimo para o Supremo Tribunal
Federal e, especialmente, para eles.
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quinta-feira, 11 de outubro de 2012
O SENTIMENTO NACIONAL DE JUSTIÇA E O MENSALÃO - ALOÍSIO DE TOLEDO CESAR
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