segunda-feira, 2 de novembro de 2009

O ESTADO FORA DA LEI

(Editorial do dia 01/11/09 do Jornal do Comercio - PE)

A conhecida incontinência verbal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode se apresentar, a olhos condescendentes, como a expressão de uma personalidade espontânea, que não possui, como se diz, "papas na língua". No entanto, tudo aquilo que o primeiro mandatário da Nação fala e faz reveste-se de grave importância, quando serve como argumento para a imitação dos governados. Ao repetir que o "Pais está travado" e se queixar pela enésima vez da fiscalização exercida legitimamente pelos Tribunais de Contas, pelo Ministério Público, por entidades ambientalistas ou pela imprensa, o presidente da República adota perigoso uso do carisma para jogar o Estado brasileiro contra a legalidade. E enfraquece as instituições, ao invés de buscar seu fortalecimento. Do acordo com o filosofo Roberto Romano, o Brasil pode se encontrar a um passo da "anomia", ou seja, de um ambiente político sem lugar para o respeito à lei. O mau exemplo de um governante e de um partido político que habitualmente passam ao largo de exigências legais - como relatórios de estudos de impactos em seus projetos, por exemplo - e parecem não querer mais descer do palanque, mesmo após quase uma década exercendo o poder, aponta para o sério risco de hipertrofia que caracteriza, neste continente, não a anarquia, mas sim, os regimes totalitários liderados por governantes ungidos pela "vontade popular". A retórica do "País travado" quer atropelar a legalidade para angariar conquistas rapidamente, como se tudo o que a lei representasse fosse uma inconveniente barreira ao desenvolvimento e à justiça social. O presidente Lula esquece ou finge que não vê que aquilo que a vigência lei impede é o império da força - sob cuja proteção todo erro, toda corrupção e todo o crime são torpemente perdoados. A fiscalização do gasto do dinheiro do povo, arrecadado e redistribuído em obras e serviços pelo governo, é atribuição dos órgãos como o TCU - e não o resultado de um complô da oposição para atrapalhar a agenda de inaugurações , reinaugurações, inspeções e fanfarras do PT e seus candidatos a candidatos. A situação se agrava com o ano eleitoral de 2010 à janela. A lógica do crescimento constrangido por instrumentos formais de fiscalização presta-se a disputas tão intensas quando inócuas envolvendo governo e oposição. Se a lei existe, é para ser respeitada; e se não é para ser respeitada, não se necessita da lei. Para o presidente do PPS, Roberto Freire, o presidente da República puxa o cordão dos insatisfeitos: "Lula está querendo saber o limite da lei. Ele não respeita o ordenamento jurídico do País", afirmou Freire. Testar o limite da lei - saber até onde pode ou não pode fazer algo - é um comportamento típico de crianças. Em se tratando do chefe do Executivo, a prática cheira à prepotência, é indigna dos cidadãos que o elegeram, bem como de sua biografia. Exalando sarcasmo e ironia em suas andanças, pantomimas e sermões, o presidente brasileiro não se peja de utilizar metáforas esportivas ou religiosas para transmitir a palavra e atacar adversários. Sem medo de tropeçar no bom senso, seguro sobre o altar da popularidade, o "filho do Brasil" desafia ainda a neutralidade das instituições, ao pior estilo absolutista de Luiz XIV, a quem se atribui frase que é a antítese do regime democrático : "o Estado sou eu". Por maior que se pressuponha o seu papel histórico, Lula consegue encolhe-lo a cada dia, se segue no percurso da insensatez, confrontando a legalidade institucional. Trata-se de uma postura inaceitável que põe em risco, no fim das contas, o ambiente de liberdade política em que se deu sua ascensão. A propósito, um dos esteios da democracia, condição para seu aprimoramento, é a existência de uma imprensa livre e, por conseqüência crítica. Sobre a imprensa, Lula declarou recentemente que seu papel é "informar, e não fiscalizar". A diferença é menos sutil do que aparenta. Lamentável é que uma afirmação como essa se afigure coerente com as práticas de um virtual Estado fora da lei, que almeja o reino da autonomia sem precisar prestar contas para ninguém.

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