segunda-feira, 3 de agosto de 2009

A HORA E A VEZ DA FILÓ - DOCA RAMOS MELLO

Alô, pai...?
- Bom dia, meu filho, tudo bem?
- Tudo. Pai, o senhor já resolveu aquele probleminha p’ra mim?
- Que problem... Ah, sim, a vaga da Filomena.
- Isso, paizão. Se o senhor me resolve isso adianta muito p’ra mim, sabe como é...
- Claro, filho, claro. Estou trabalhando nisso, já falei com o Agaciel, é p’ra amanhã, mais tardar...
- Ah, que bom, obrigadão, viu, painho? O senhor sabe, Filó é muito querida, trabalha há um tempão p’ra nós, além disso Tetê não suporta nenhum tipo de serviço doméstico, nasceu para ser miss mesmo e...
- Eu sei, filho, eu sei.
- Mas, pai, o Agaciel não está fora?
- E você pensa que o negócio é assim, que um cabra que manda e desmanda durante 14 anos, cria minha, vai ser saído sem mais nem meio mais, que seu poder vira pó num piscar de olhos? Ah, bem capaz!
- Então... Se o senhor me adianta essa vaga, Filó fica segura, paizão, bota um salário razoável para ela, a gente até pode fazer aquela dobradinha de ficar com uma porcentagem, aí uns 70%, que poderiam ir para minha filha, o senhor sabe, aquela lá gasta uma grana... O resto Filó recebe, fica garantida e quando chegar a hora, se aposenta sossegadinha, ela merece, pai, sem contar que eu não vivo sem aquele sarapatel que ela faz, hummm, chega a me dar água na boca.
- Sim, filho, entendo. Deixa comigo que amanhã mesmo sapeco um ato secreto, boto a Filó de motorista noturno, como fiz com o Secreta, o vento que bate lá na Roseana pode muito bem bater na sua casa também, né não? Hehehehe!!!
- Quá, quá, quá, paizão, que pândega, Filó nem sabe ler direito, imagine ter carteira de motorista, ai, pai, o senhor é um piadista!
- Olha o respeito, esse menino! Faço isso pela família, pela harmonia do seu lar, eu bem sei que Tetê não chuleia nem faz bolo de massa puba, ai de vocês se Filó não ficar bem escorada, ai de vocês, mas só faço isso pelo amor que tenho à família, não me confunda, respeite minha biografia, tome tento, filho!
- Ô paizão, brincadeirinha, quem aqui ia faltar com o respeito à sua pessoa, um pai tão bondoso, imagine, jamais! Escuta pai, o Secreta ganha 12 paus por mês, a Filó também vai...
- Claro, filho, o cargo é o mesmo, portanto o salário tem de ser igual, naturalmente.
- Pai, e a vaga do meu genrinho? O senhor sabe, preciso casar minha filha.
- Também estou trabalhando nisso, fique tranquilo. Se não houver vaga por aqui, falo com o Cafeteira, ele é ponta firme e...
- O Cafeteira, sei, quá, quá, quá! Mas, não me vá ele querer ver o rapaz uma hora dessas, heim?
- Tem perigo, não, aquilo foi uma falha técnica, filho.
- Pai, mas isso de ato secreto não deu zebra e se acabou?
- Nada acaba nesta república sem que a gente queira. Vamos dizer que muda a nomenclatura, faz-se uma boa maquiagem e depois fica tudo do jeito de sempre, aquiete-se, Filó terá seu quinhão. Ela merece esse carinho, tem sido sempre tão boa para vocês, né não?
- Ah, pois. Pai, o jornal lá de São Paulo continua, aquilo lá está enchendo o saco, paizão. Agora estão falando até da nossa ilha.
- Oxente, filho, despreze. Como já falei e o chefe deu o recado dele por aí, cuidado com a minha biografia! E depois, isso passa, tudo passa quando a gente tem prestígio, dinheiro, cargo eletivo. Eu não fiquei milionário na política por me deixar esquentar com qualquer escrevinhador borra-botas, meu filho.
- Bom, paizão, Filó tem de comparecer em algum lugar para assinar alguma coisa?
- Claro que não, filho. O Agaciel cuida disso, dá 30 dias e o salário dela está na conta.
- Pai, estão falando na internet numa escada que vai dar num bunker, lá no Senado, local de encontros, falam na BMW da secretária Cristiane, tudo na conta do Agaciel. Encontraram até um lubrificante lá, o senhor sabe, lubrificante para sexo...por acaso o senhor não...er... Como foi o senhor que contratou o cabra, desculpe, mas...er...painho, ai, ai....
- Oxente, esse menino, não sei de nada, não vi nada, não sei o que é um bunker!
- Mãinha pode se agastar se...
- Shcsst!!!!
- Bom, paizão, obrigado por resolver esse probleminha da Filó, viu? O senhor não sabe o bem que faz a ela e aos almoços e jantares lá de casa! Calcule Tetê diante de um fogão, não querendo amarfanhar a faixa de miss, meu padim padre Ciço, que horror! Sua bênção, paizão.
- Deus lhe abençoe, filho.




Doca Ramos Mello

Sou brasileira, já dobrei 500 anos de ilusões, histórias, esperanças e desventuras, na espécie.
Na essência particular, dissocio-me (ou não) desta herança, juntando letras em crônicas sem pretensão nenhuma além de pôr para fora o que penso e me divertir. Assim, escrevo tudo o que me dá na telha - sem as letras, o limbo.
Já recebi por volta de 30 prêmios no Brasil, um deles pela Academia Brasileira de Letras.
Fui premiada também em Portugal.
Publico crônicas em outros dois sites:
http://www.anjosdeprata.com.br
http://www.papolivre.com.br
Cursei duas faculdades, falo inglês, produzo e reviso textos, traduzo.
Escrevo, leio: vivo.

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