Velho também pensa e tem o que dizer
quinta-feira, 03 outubro 2013
06:16
porCélio Heitor
Guimarães
É possível que o distraído leitor não tenha sabido, mas
nessa segunda-feira, 1º de outubro, comemorou-se o Dia do Idoso. Até 2006, a
data era celebrada em 27 de setembro, mas com o advento do Estatuto do Idoso em
1º de outubro, o dia dos velhinhos mudou para essa data. Agora, o “comemorou-se”
dito acima é apenas maneira de dizer, porque comemoração, se houve, foi
insignificante.
E isso porque
velho é quase sempre um estorvo, “enxada velha”, na definição do meu querido
Rubem Alves – que completou 80 anos em 15 de setembro último e a quem dedico
esta crônica, com imenso carinho –, ferramenta que, depois de haver sido usada a
vida toda, é largada num canto qualquer da casa, como inútil, que apenas ocupa
espaço.
Pois, como
Rubem, também estou envelhecendo. E isto, para surpresa de muita gente, causa-me
alegria. Uma sensação de vida vivida, de aprendizado sem preço, de missão
praticamente cumprida, de histórias para contar, de experiência para repartir.
Não tivesse envelhecido, não teria bagagem armazenada, não teria a presença e o
carinho de netos nem a coragem necessária para fazer coisas de faço e dizer
coisas que digo.
É ainda de
Rubem a descoberta de que há coisas que só se faz ou se diz quando se envelhece.
E cita Nietzsche, que ele tanto ama: “Mesmo o mais corajoso entre nós só
realmente tem coragem para aquilo que realmente conhece”. E também Albert Camus,
leitor de Nietzsche: “Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que
sabemos”.
Sabe o amável
leitor por quê? Porque, como também ensina o sábio Rubem Alves, “a velhice é o
tempo da verdade da alma”.
Por isso, os
jovens precisam aprender a respeitar os velhos. Não apenas porque sem os velhos
eles, os moços, simplesmente não existiriam, mas porque, embora isso possa ser
surpresa para os jovens, os velhos continuam pensando, têm as suas próprias
convicções e sabem perfeitamente expressá- las se houver alguém que tenha a
paciência de ouvi-las.
Foi exatamente
isso que fez dona Ruth Moreira, 84 anos, em desabafo publicado no jornal O
Estado de S. Paulo. Veja se há reparos a fazer:
“Estou com
vergonha do Brasil. Vergonha do governo, com esse impatriótico,antidemocrático e
antirrepublicano projeto de poder. Vergonha do Congresso rampeiro que temos, das
Câmaras que dão com uma mão para nos surrupiar com a outra, políticos vendidos a
quem dá mais. Pensar no bem do país é ser trouxa. Vergonha do dilapidar de
nossas grandes empresas estatais, Petrobrás, Eletrobrás e outras, patrimônio de
todos os brasileiros, que agora estão a serviço de uma causa só, o poder.
Vergonha de juízes vendidos. Vergonha de mensalões, mensalinhos, mensaleiros.
Vergonha de termos quase 40 ministros e outro tanto de partidos a mamar nas
tetas da viúva, enquanto brasileiros morrem em enchentes, perdendo casa e
familiares por desídia de políticos, se não desonestos, então incompetentes para
o cargo. Vergonha de ver a presidente de um país pobre ir mostrar na Europa uma
riqueza que não temos (onde está a nossa guerrilheira, era tudo fantasia?).
Vergonha da violência que impera e de ver uma turista estuprada durante seis
horas por delinquentes fichados e à solta fazendo barbaridades,
envergonhando-nos perante o mundo. Vergonha por pagarmos tantos impostos e nada
recebermos em troca – nem estradas, nem portos, nem saúde, nem segurança, nem
escolas que ensinem para valer, nem creches para atender a população que
forçosamente tem de ir à luta. Vergonha de todos esses desmandos que nos
trouxeram de volta a famigerada inflação.
“Agora
pergunto: onde estão os homens de bem deste país? Onde estão os que querem lutar
por um Brasil melhor? Por que tantos estão calados? Tenho 84 anos e escrevo à
espera de um despertar que não se concretiza. Até quando isso vai continuar? Até
quando veremos essas nulidades que aí estão sendo eleitas e reeleitas? Estou com
muita vergonha do Brasil”.
Dona Ruth
Moreira sabe o que está dizendo. E tem autoridade para dizê-lo, pois envelheceu
com dignidade. Do alto dos seus 84 anos, lúcida e ativa, deu toda uma vida ao
Brasil. Como tantos outros velhinhos e velhinhas hoje largados detrás das
portas, construiu esta Nação. Agora, olha a planície brasileira e sente
vergonha. Devíamos todos nós tê-la também e fazer eco à desesperada pergunta da
notável cidadã: onde estão os homens de bem
deste país?
No poder
certamente não estão.
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