UMA CARTA de DOR E REVOLTA.
Carta de Marcella Martins, Santa Maria - RS,
à Presidente Dilma
Engula o choro, presidente. Engula o choro ao falar da
tragédia de Santa
Maria. Engula o choro e todos os problemas desse país que
nele estão
escancarados. Engula, que o medo do segurança de ser demitido
neste país é
maior do que sua consciência de deixar as pessoas saírem sem
pagar suas
contas para não morrerem. Engula a soberba dos donos de empresa
desta nação
que não estão nada preocupados com pessoas como eu e até mesmo
como a
senhora, porque estão focados demais em lucrar, e preferem fechar as
portas
como numa câmara de gás a ter prejuízos. Engula a pressão que todos os
seus
funcionários sentem todos os dias. Engula que para arcar com
seus
altíssimos impostos, todos eles dão um jeitinho bem brasileiro de
se
desviar dos regulamentos e leis. Engula que os órgãos responsáveis
por
evitar que isso aconteça não funcionam. Engula que eles deixaram
essa,
entre tantas e tantas casas mais, funcionar sem licença. Engula
que
provavelmente alguém que também ganha pouquíssimo aceitou um suborno
para
que isso acontecesse. Engula que a senhora deu "é" sorte por ser
apenas
essa casa entre todos os tantos lugares que deveriam estar fechados,
que
caiu na boca da mídia. Engula a mídia que vai atacar com todo
o
sensacionalismo possível em cima das famílias que estão
procurando
celulares em cima de corpos para reconhecer seus filhos. Engula
as
operadoras que não funcionam e que provavelmente impediram uma série
de
vítimas a pedirem socorro. Engula que o socorro que chega para se enfiar
em
lugares como este, pegando fogo, cheio de corpos de jovens para
serem
resgatados, recebe um salário vergonhoso, com descontos ainda
mais
vergonhosos, e ainda assim executam um trabalho triste e digno antes
de
voltarem para a casa e agradecerem por seus próprios estarem
dormindo.
Não, presidente. Não chore ao falar da tragédia. Faça! Faça
alguma coisa. E
pare de nos dar como exemplos uma série de catástrofes para
tomar medidas
idiotas que não valerão de nada alguns meses depois. Não se
emocione.
Acione! Acione a todos os órgãos públicos, faça uma limpa em sua
maldita
corrupção e devolva à segurança pública, às instituições sérias,
aos
professores, aos bombeiros, aos enfermeiros, aos seguranças, aos jovens,
o
mínimo de dignidade. Não faça um discurso. Mude o percurso. Mude
tudo
porque estamos cansados de ver nossos iguais pegando fogo,
morrendo
afogados, morrendo nas filas dos postos de saúde, morrendo no
"crack",
morrendo, morrendo, morrendo, e tendo como última imagem aquela TV
aos
fundos anunciando o fim de mais uma bilionária obra de estádio de
futebol.
Não, presidente. Desculpe, mas na minha frente a senhora não
pode chorar.
Não pode chorar sua culpa. Não pode chorar sua inércia. Não pode
chorar no
Chile, mas também não pode chorar em Santa Maria. Porque isso é
muito maior
do que só um acidente. Isso é muito maior do que só sua comoção.
Engula o
seu choro, presidente. O seu, o dos jovens que perceberam que não
teriam
mais o que fazer que não morrer, e em especial, o de seus amigos
e
familiares, que em um país como esse, não têm outra opção que não
chorar.
Engula o choro, presidente."
MARCELLA MARTINS
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