Questão Gastronômica
Doca Ramos Mello
ddramosmello@uol.com.br
Ainda
existe muita gente que não valoriza nossos políticos, mas isso se deve a uma
premissa indecente, segundo a qual eles todos não prestam. Mentira! É claro que
muitos não valem um tostão de titica de galinha, mas há outros tantos tão
valorosos que me custa fazer uma lista. Mesmo assim, acho que vale a pena citar
um caso recente que envolveu os irmãos Gomes e um deputado nordestino, cujo
nome não guardei comigo, provavelmente porque eu também faço parte da gentinha
que gosta de achincalhar esses abnegados... Em compensação, retive na memória
sua silhueta e suas palavras, ambas capazes de extrapolar os limites da minha
tela de TV.
Eu
estava ligada nas notícias. E as notícias são sempre muito nojentas, é roubo, é
corrupção, é quadrilha, é o Lewandowski com a maior cara de sapo a receber a
Ordem do Rio Branco por serviços prestados ao governo... Aliás, se não fosse
por ter trabalhado “para o governo”, para o povo é que não teria movido uma
palha, ô qual.
Bom,
lá estou eu, diante do noticiário. Nisso, aparece uma reportagem sobre o irmão
de Ciro Gomes, o Cid, governador do Ceará. O Ciro Gomes, todo mundo sabe, se
notabilizou por ter a boca grande e o apetite político maior, mas cravou seu
estilo homem distinto quando um jornalista lhe fez uma instigante pergunta: “Qual será o papel da sua mulher, a atriz
Patrícia Pilar, se o senhor for eleito presidente da República?”,
questionou o rapaz. “O papel dela é
dormir comigo”, atacou o elegante cavalheiro, que adora dizer-se nascido em minha Pindamonhangaba.
Papa fina, o sujeito. O que ele não sabe é que filho de gato
que nasce no forno não é biscoito.
Voltemos
a Cid. Para ilustrar, fazendo jus à noblesse
do mano, ele também foi cortês com jornalistas, quando ficou descoberto que
levara a mãe, Dona Maria, à custa do erário, para passear em Nova York. Questionado ,
foi direto ao ponto: “Minha mãe tem mais
de 80 anos”... Ué, a minha, também! Acima de 80 anos a pessoa ganha
passagens do governo para o exterior? Vejam vocês, eu nem sabia disso, que
coisa, o Brasil é uma surpresa...
Cid,
de novo. Colocaram no noticiário a contratação, pelo governo dele, de um bufê
chiquérrimo, caríssimo, para atender aos eventos do executivo. E como
jornalista é um bicho desgraçado de enxerido e
ruim, exibiram na tela da TV o cardápio contratado. Incluía lagosta, escargot ao creme, caviar e o cacete a
quatro, luxo puro. Havia itens lá que, aposto, 70% da população brasileira não
conhecem, mas a do nordeste então, nem se fala. O povo de lá, arre égua,
conhece mesmo é a seca que nunca acaba, o Sarney que também não finda, a
caatinga, a fome, a falta de recursos, a extrema pobreza... Eu me detive no escargot porque fiquei pensando se
existe cultura do bicho lá onde os Gomes vivem, pois do contrário será preciso
buscá-los fora do Estado, do país até, um trabalhão. Bom, mas dinheiro tem para
importar a encomenda, não há com que esquentar a cabeça, a França está cheia
desses bichinhos, mandar buscar lá é bico, né Cid?
Aí,
teve jornalista metendo a lenha no bufê, no Cid, no cardápio, ô gente!
Todavia,
um deputado nordestino gordíssimo, desses cuja pança e bochechas extravasam os
limites da telinha, apareceu para defender Cid Gomes – o nordestino é, antes de
tudo, solidário, amigo, parceiro. E o cidadão engatilhou uma defesa
impressionante, insuflando as faces coradas e movendo o bigodinho com
sofreguidão, arremessando seu nordestês entremeado de perdigotos, furioso.
Argumentou severamente ele, à guisa de esclarecer a malta de ignorantes da
qual, sou forçada a reconhecer, fazia parte até que tal deputado me abrisse os
olhos ignorantes. É longa a noite dos que desconhecem as verdades da vida, por
isso toda lanterna é bem-vinda.
“O governador não pode receber visitas
ilustres, estrangeiros, e oferecer a eles buchada de bode, bolo de rolo e
paçoca”. Falou e disse, o deputado gordo. Que categoria! Ninguém ainda
havia pensado nisso, o cidadão quando viaja quer receber tratamento VIP do tipo
que tem em casa, está certíssimo. Ele quer comer aquilo que está habituado a ver
em sua mesa lá nas terras dele, não viria aqui para apreciar mingau de fubá, carne
seca e farofa, barreado ou vatapá, ora me creia vamos deixar de burrices. Todo
mundo sabe que por aí afora é assim, a Camarada Rousseff, por exemplo, quando
vai a Londres, já manda logo avisar a rainha para que a coroa trate de ordenar
uma feijoada, arroz de carreteiro, pão de queijo, mugunzá, suco de graviola e
outros itens brasileiros, é assim que funciona. O problema é que nós ainda somos
meio atrasados nessas questões gastronômicas, a gente não entende as mumunhas
da mesa estrangeira e, de repente, comete a indelicadeza de, na Bahia, oferecer
bobó de camarão aos visitantes, Jesus, Maria, José!
Eu
ainda volto a ver o brilhante deputado por aí e conto o nome dele para vocês
poderem reverenciar-lhe o aparte defensivo. Em compensação, Cid Gomes vocês não
hão de esquecer, ele e Ciro são os dois filhos de Dona Maria, a viajada. Penso
em sugerir a Ziraldo que escreva uma história em quadrinhos intitulada “Os irmãozinhos maluquinhos”, que tal?
*
Ah, em tempo! Até demorou bastante para Patrícia Pilar assimilar o pensamento delicadíssimo
de Ciro Gomes em relação ao papel dela, mas pelo sim, pelo não, recentemente a
moça desertou da cama do cabra. Acho que devemos lutar pela lei Patrícia Pilar para
condecorar as deselegâncias masculinas de maneiras. Assim, toda vez que surgir
um cavalheiro fino para atravessar a vida de uma mulher, ela poderá ficar ao
abrigo da lei, ainda antes de mandá-lo catar lata.
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